Este filme é um objecto estranho. Custa
a acreditar que tenha sido produzido e realizado pela MGM em 1955, de tal modo é estética e moralmente «estelizado». Quero dizer, firme, inflexível, exagerado,
programático e, ao final de mais de sessenta anos, intocável.
As figuras vêm de uma pantomima da «commedia
dell'arte» em que a luz negra faz avantajar a sombra de Harry Powell (Robert
Mitchum) sobre uma janela psicologicamente ameaçadora. Apesar de tudo, as crianças
vão dormindo…
A lanterna mágica surge dentro de uma
cenografia «Bauhaus» e a realidade aproxima-se do pesadelo de tal modo que os
degraus das escadas, as margens do rio, os animais fantasma, saem
de um conto de fadas más ou de um museu de história pouco natural. Rachel
Cooper (Lillian Gish) protege os cordeiros em tempos de Natal, de caçadeira em riste.
Mas as crianças já não o são e o seu choro é adulto.
O confronto ético religioso coloca em
causa o bem e o mal mas, acima de tudo, o legal e o ilegal. Um reverendo
misógino, assassino de mulheres e ladrão, prega a moralidade para que Icey
Spoon (Evelyn Varden) faça de coro maléfico, ampliando as desgraças e
desculpando os pecados. Entretanto, as crianças confundem as histórias bíblicas
– Moisés, Jesus –, e os irmãos John Harper (Billy Chapin) e Pearl Harper (Sally
Jane Bruce) “resistem e perduram”.
«A Sombra do Caçador» é uma elegia vinda
do trágico sangue grego como se um Frank Capra ou um Kenji Mizoguchi tivessem
a noção da doutrina do mal. Uma tragédia que até poderia acabar bem…
…não fosse o miúdo, escondido no
celeiro, avistar o cavaleiro em contraluz e sussurrar:
«Mas
será que ele nunca dorme?»
jef, novembro 2017
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