Se a Bíblia admitisse o humor como fundamento da comunicação
e da inteligência humanas, certamente acolheria Aki Kaurismäki como profeta da
esperança e o filme «Le Havre» como a epístola de ‘O Lucro da Bondade’.
Aqui, são todos absolutamente humildes, generosos, delicados
e dedicados. Todos sorriem discretamente, a começar por Laika, a cadela gentil.
Marcel Marx (André Wilms) abandona a escrita e estabelece-se
como engraxador na cidade portuária de Le Havre. Conta os tostões. Tem um amigo
engraxador chinês, que afinal é vietnamita, Chang (Quong-Dung Nguyen). É casado
com Arlety (Kati Outinen). Antes de chegar a casa, passa pela padaria e pela
mercearia, bebe um copo no bar predilecto. Por aí encontra os amigos.
Até que a sua mulher adoece gravemente e o acaso leva-o a
encontrar-se com um adolescente refugiado africano, Idrissa (Blondin Miguel) que
deseja reunir-se com a mãe, no Reino Unido. Então Marcel tem de desunhar-se,
calmamente, sem abandonar a lisura e a boa educação, na tentativa de atingir todos
os objectivos em simultâneo.
Esteticamente, todos os objectos estão sob uma luz
determinada para que a cor os transforme em lugares cenográficos que demonstram ao espectador a ânsia de benquerença de Marcel e dos seus vizinhos e amigos.
Nesta pastoral sobre os benefícios lucrativos da amizade e da
boa convivência até o inspector da polícia (Jean-Pierre Darroussin) tem um
coração de oiro e a cerejeira ergue-se florida no quintal para receber Marcel e
Arlety.
Seria bom que os grandes livros dos fundamentos da moral do
homem admitissem o humor e a bondade como postulados a partir dos quais se
ergueria a nova sociedade, tal como advoga Aki Kaurismäki na parábola «Le Havre».
Bem, e se admitissem igualmente o cigarro como um dos grande prazeres da
humanidade.
jef, fevereiro 2018
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