Para entender «O Carteirista» devemos esperar pelo olhar. No
olhar suspenso está escrito aquilo que não é contado no outro lado do filme.
A nota inicial que fala de um bom homem que é levado pelas
vicissitudes da vida à arte do roubo e esta ao encontro com determinada jovem
mulher, não é suficiente.
Nem a determinação filosófica de Michel (Martin Lasalle)
sobre a superioridade do acto de certos homens: «Temos de admitir que alguns
homens capazes, dotados de inteligência, talento e até mesmo génio, e indispensáveis
à sociedade, em vez de estagnarem, deveriam em certos casos ser livres de
desobedecer à lei».
Nem Dostoievski («Crime e Castigo»), nem Max Stirner («O
Único e a Sua Propriedade»). Nem o jogo de gato e de rato que Michel promove com
o inspector da polícia (Jean Pelegri).
Nem essa espécie de triângulo amoroso, surdo e compulsivo, existente
entre o protagonista e Jacques (Pierre Leymarie) e Jeanne (Monika Green),
terminando na cena redentora de um beijo acariciado por entre as grades da
prisão. «Ó Jeanne, para chegar a ti que estranho caminho me foi dado percorrer!»
Nem o jogo fulminante das mãos dos ladrões na cena dos roubos
na estação de comboios.
Nem a música de Jean-Baptiste Lully a sublinhar as cenas de
certa vitória.
Para gostar de «O Carteirista» temos de seguir o tempo do olhar e das mãos e saber que nele ficará para sempre guardado, e talvez inexplicado, o princípio do destino e a vocação para o alterar.
jef, fevereiro 2018
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