Michael Haneke é o realizador das famílias feridas, das suas soluções
precárias, desse ponto extremo em que a angústia e a ansiedade libertam o veneno
sobre a paz negociada além do suportável.
«Happy End» usa o tema de «Amor» (2012) e prolonga-o no tempo
buscando a solução ofensiva no interior de uma família descentrada de si
própria. George Laurent (Jean-Louis Trintignant) encontra a sua alma gémea agressiva-passiva,
talvez demente, numa recém-chegada neta, Ève (Fantine Harduin), provocando no
ecrã uma tal empatia que custa a acreditar na ligação dramática-corporal de
dois actores de primeira água mas separados por tanta idade.
Aliás, a ligação é tão perfeita que torna o que lhe rodeia um
pouco desconexo, um tanto ausente, perdido na narrativa, exigindo
constantemente que a cola avô-neta regresse com urgência.
De qualquer modo, este filme demonstra, uma vez mais, como
Michael Haneke é exímio em transportar para o espectador a agonia de uma
sociedade perdida, feita de casos complexos e casas a desmoronar. Aqui, dentro
da família Laurent em que tudo giraria em torno dos irmãos Anne (Isabelle
Huppert) e Thomas (Mathieu Kassovitz). Anteriormente já o tínhamos assistido no
insuperável «Código Desconhecido» (2000), que conta a história de todas as histórias
de um grande boulevard parisiense. O público e o privado, a xenofobia, a
violência doméstica, a imigração, esse paradoxo de sobrevivermos a uma
sociedade autopunitiva.
«Happy End» estuda, com cenas de um silêncio assustador e
cenas aparentemente inexplicadas cronologicamente, a velhice, a adolescência e tudo
o que permanece entre elas, através de uma escrita cinéfila que utiliza laboratorialmente
a lupa e o bisturi para, simultaneamente, dissecar o medo paradoxal inculcado
no coração do espectador.
jef, julho 2018
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