segunda-feira, 30 de julho de 2018

Sobre o filme « Happy End» de Michael Haneke, 2017












Michael Haneke é o realizador das famílias feridas, das suas soluções precárias, desse ponto extremo em que a angústia e a ansiedade libertam o veneno sobre a paz negociada além do suportável.

«Happy End» usa o tema de «Amor» (2012) e prolonga-o no tempo buscando a solução ofensiva no interior de uma família descentrada de si própria. George Laurent (Jean-Louis Trintignant) encontra a sua alma gémea agressiva-passiva, talvez demente, numa recém-chegada neta, Ève (Fantine Harduin), provocando no ecrã uma tal empatia que custa a acreditar na ligação dramática-corporal de dois actores de primeira água mas separados por tanta idade.

Aliás, a ligação é tão perfeita que torna o que lhe rodeia um pouco desconexo, um tanto ausente, perdido na narrativa, exigindo constantemente que a cola avô-neta regresse com urgência.

De qualquer modo, este filme demonstra, uma vez mais, como Michael Haneke é exímio em transportar para o espectador a agonia de uma sociedade perdida, feita de casos complexos e casas a desmoronar. Aqui, dentro da família Laurent em que tudo giraria em torno dos irmãos Anne (Isabelle Huppert) e Thomas (Mathieu Kassovitz). Anteriormente já o tínhamos assistido no insuperável «Código Desconhecido» (2000), que conta a história de todas as histórias de um grande boulevard parisiense. O público e o privado, a xenofobia, a violência doméstica, a imigração, esse paradoxo de sobrevivermos a uma sociedade autopunitiva.

«Happy End» estuda, com cenas de um silêncio assustador e cenas aparentemente inexplicadas cronologicamente, a velhice, a adolescência e tudo o que permanece entre elas, através de uma escrita cinéfila que utiliza laboratorialmente a lupa e o bisturi para, simultaneamente, dissecar o medo paradoxal inculcado no coração do espectador.

jef, julho 2018

«Happy End» de Michael Haneke. Com Isabelle Huppert, Jean-Louis Trintignant, Mathieu Kassovitz, Fantine Harduin, Franz Rogowski, Laura Verlinden . Alemanha / França /Áustria, 2017, Cores, 107 min.


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