O melhor desta alta comédia de Jean-Pierre Melville é a
presunção do erro, a assunção do que não é exacto, o amor ao truque como modo
de adopção da realidade.
Ele, Jean-Pierre Melville é tudo. Realiza, adapta, argumenta,
escreve os diálogos, interpreta, uma história policial negra, à americana, com
muito jazz, muito álcool, cinzeiros a transbordar de beatas, jornalistas sem escrúpulos,
mulheres lindas e suicidas que fazem delegados da ONU perderem-se num véu denso
de fumarolas nova-iorquinas, planos nocturnos e cenas literalmente truncadas para
parecer ainda mais o teatro simbólico que, na realidade, é.
Aqui está patente a diversão pura de Jean-Pierre Melville
que faz de repórter Moreau chamado a investigar o desaparecimento súbito de um
diplomata francês. Para isso pede ajuda a Delmas (Pierre Grasset),
fotógrafo alcoólico e desenrasca, que tudo descobre, tudo saca à mais bela noite
de Nova Iorque.
A figura de Moreau é uma espécie de Fernandel a fazer das
personagens de Dashiell Hammett, repleta de reverência pelos símbolos de Nova Iorque
mas com a falta de vergonha de quem sabe que os está a deturpar. Uma postura que
é suplantada pela benévola e quase crente versão de realizador que deseja regressar
ao papel de actor impostor. Como uma partida de um miúdo antes da representação
no sarau final de ano lectivo.
Deve ver-se este filme francês no sentido oposto com que, mais tarde,
se assistiu à «paixão americana» do alemão Wim Wenders: «O Amigo Americano»
(1977), «Hammett» (1978-82) ou «O Estado das Coisas» (1982).
jef, julho 2018
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