domingo, 29 de julho de 2018

Sobre o filme «Madame De…» de Max Ophuls, 1953












Resumo. Poder-se-ia dizer que este filme tem por centro a mentira.
A belíssima longa cena inicial, extravagante, mostra as mãos enluvadas de uma senhora que percorre todas as suas jóias, os casacos de peles, os vestidos de baile. Gosta muito de todos mas tem de se desfazer de um, vá lá saber-se porquê. Louise (Danielle Varrieux) opta tristemente por uns brincos que vai revender, em segredo, ao joalheiro (Jean Debucourt) que os vendeu ao General, Monsieur De… (Charles Boyer), marido de Louise, que acaba por recomprá-los para oferecer a Lola, sua amante, que está de partida para Istambul (Lia Di Leo)…. Até que o barão Fabrizio Donati (Vittorio de Sica) viaja de Istambul para Paris.

E assim começa a história das mentiras que se vão dizendo sobre a viagem da citada jóia, tal como é anunciado no início do filme por uma legenda misteriosa…
A comédia de costumes está lançada sublinhando a frivolidade e a superficialidade de quem vive num certo «mundo à parte». E esta comédia até parece ser como aquelas de Marivaux e Beaumarchais que, séculos atrás, anunciavam a Bastilha e a Revolução Francesa. Apenas parece. Aliás, existe uma frase eternamente repetida nos textos escritos sobre o filme e sobre a obra do realizador que, citando-o, diz que «a superficialidade só o é à superfície».

Note-se pois as reviravoltas da câmara para notar a posição subalterna dos porteiros de libré que, cansados, abrem e fecham as portas dos camarotes na Ópera; o violinista que se recusa a tocar mais após uma noite inteira a trabalhar para o casal de amantes que não parou de dançar; o filho do joalheiro que sobe a escada várias vezes a mando do pai, tudo por causa dos tais brincos; o desespero visível da criada de Louise (Mireille Perry) contra os desmandos do patrão.

Contudo, Max Ophuls não pretende fazer uma comédia. Nem declarações socio-políticas. Nem sequer uma tragédia… Aí está o principal e genial truque do filme. Porque, no final, os brincos surgem num altar onde ficam depositados como paga adiantada a Nossa Senhora de um possível milagre... Na vida nada é de graça! A devoção é o primeiro exemplo disso. Afinal, O Amor como o Humor (já alguém o disse sobre este último) apenas têm o dom de aprofundar e não de aligeirar.

O realizador pretende apenas contar uma história, apenas isso, com a agilidade de mestre, com uma luz magnífica, com a serena vivacidade narrativa, com diálogos literários, com um guarda-roupa deslumbrante, com cenas de baile só comparáveis com as de «O Leopardo» (Luchino Visconti, 1963), …

Max Ophuls (e eu não esqueço «Lola Montès», 1955) tem a sublime tarefa de mostrar a realidade através de uma mentirosa linha dramática que diz somente que o teatro não é real mas apenas nos faz compreender o lugar exacto onde se esconde a verdade.

jef, julho 2018

«Madame De…» de Max Ophuls. Com Danielle Varrieux, Charles Boyer, Vittorio de Sica, Mireille Perry, Jean Debucourt, Serge Lecointe, Jean Galland, Jean Degrave, Hubert Noël, Paul Azais, Josselin, Lia Di Leo. Argumento Max Ophüls, Anette Wadamont e Marcel Achard baseado na novela de Louise de Vilmorin. Diálogos: Christian Matras; Música: Oscar Strauss, Georges Van Parys. França / Itália, 1953, P/B, 105 min.


Sem comentários:

Enviar um comentário