Esta é a história impensável. Porém, acontecida.
Olhamos Berlim destruída, a preto e branco. Uma mulher começa
a contá-la. Estamos a 30 de Janeiro de 1933, Hitler e os nazis emergem. O seu pai
é judeu e, por acaso, encontra-se em Portugal. Telefona à mulher para que ela e
as crianças partam imediatamente da Alemanha e venham ter com ele. Deste modo,
a história impensável vai sendo contada. São sete velhos judeus, na altura
crianças, que narram geograficamente uma espécie de viagem de Phileas Fogg mas ao
contrário. Angustiada, desesperada, triste e muito fria. Desde a Europa
Central, por França, passando os Pirenéus, por Espanha, até chegar a Portugal e
a essa Lisboa ensolarada, a transbordar de emigrantes refugiados que olham os navios no Porto de Lisboa e sonham com Nova Iorque. Um deles regressa à
Alemanha mas agora integra o exército aliado americano e tem de encarar o
inimigo, olhos nos olhos. É Sylvain Bromberger que fala.
No final, voltamos à cidade, aos escombros das Portas de Brandenburgo
e da Unter den Linden, agora palidamente coloridos. Alguém diz que há uma
grande diferença entre “admitir” e “perdoar” e acrescenta que sem o apoio de “la
masse du peuple” alemão Hitler não teria conseguido. Mas termina afirmando que, se
temos de nos adaptar ao “grande destino”, é nosso dever influenciar o dia-a-dia
do nosso “pequeno destino” e estender a mão ao próximo. Inclusive ao nosso inimigo.
É Lolita Goldstein que fala.
Quem fala em voz-off sobre as imagens de arquivo e as
fotografias tão dificilmente guardadas são ainda Eva Arond, Fred Manasse, Pedro
Kalb, Ginette Horowitz, Henny Porter. Todas as histórias tristes das viagens
destes Phileas Foggs e Passepartouts são nomeadas no final. para que não restem dúvidas.
A eles e a todas as vítimas das histórias impensáveis devemos nós a memória, a razão
e o carinho.
jef, outubro 2019
«Debaixo do Céu» de Nicholas Oulman. Com Eva Arond, Lolita
Goldstein, Fred Manasse, Pedro Kalb, Ginette Horowitz, Sylvain Bromberger,
Henny Porter. Argumento: Nicholas Oulman, Beth Calabro Oulman. Música: Diogo
Cerejo Fragoso. Portugal, 2018, P/B, Cores, 75 min.
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