É um
filme que amplia o modo de olhar o cinema comercial português. Não desdenha os bons princípios do nosso cinema. Uma fotografia (João Lança Morais)
que plana sobre os olhares, as paisagens e os objectos, oferecendo-os
lentamente à compreensão narrativa do espectador. A história está toda ali. A História
de Portugal contemporânea também é assim dita pela troca de olhares entre João
Fernandes (Albano Jerónimo) e Leonor (Sandra Faleiro), pelas relações sociais
entre patrões, assalariados, políticos e militares. Quase silêncio, quase contenção política, quase hipocrisia. Claro que a palavra é concisa mas também é aguerrida,
modelada e literária. Essa palavra é a do escritor Rui Cardoso Martins e
nota-se bem. O bom cinema tem o mesmo princípio de palavra tida no teatro. A
tensão revelada no diálogo entre João Fernandes e o inspector da pide (António
Simão) é exemplo cabal. E depois existe o lado novelesco, quase de romance
oitocentista, rara saga trágica de uma família, de uma micro-sociedade-macro, centrada
em João Fernandes, fazendo o espectador condoer-se por uma personagem que talvez
devesse rejeitar.
Mais um
belo feito do cinema português.
jef,
outubro 2019
«A
Herdade» de Tiago Guedes. Com Albano Jerónimo, Sandra Faleiro, Miguel Borges,
João Pedro Mamede, Rodrigo Tomás, Beatriz Brás, Diogo Dória, Ana Bustorff,
Victoria Guerra, Teresa Madruga, Ana Vilela da Costa, João Vicente, Rodrigo
Tomás, Cândido Ferreira, Dinis Gomes, Fernando Rodrigues, António Simão. Argumento:
Rui Cardoso Martins, Tiago Guedes e Gilles Taurand. Fotografia: João Lança
Morais. Produtor: Paulo Branco. Portugal, 2019, Cores, 166 min.
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