O mais interessante neste filme de Marco Bellochio,
especialista na arte italiana do submundo, é o facto de ser uma novela
sangrenta, mas de certo modo divertida, sobre um mundo horrível: as últimas
décadas do mafioso Tommaso Buscetta (Pierfrancesco Favino) quando este, querendo
retomar a velha honra da Cosa Nostra siciliana, resolve voltar a Itália para denunciar centenas de “parentes”
assassinos desvirtuados pela mais recente ganância vinda da droga.
Contudo, não o podemos comparar às ficcionais novelas sangrentas
de Tarantino. Este molda a seu bel-prazer a realidade para que a intriga ofereça
um antidoto à memória histórica mais sofrida. Em «O Traidor» passa-se o
contrário. Estamos perante toda a realidade das mortes e dos diversos
interrogatórios e julgamentos em flashbacks mais ou menos contundente e acelerados
servidos por uma banda sonora operática.
Contudo, em modo quase etnográfico, a Itália do sul está lá
toda e a personagem interpretada por Pierfrancesco Favino vai ficando cada vez
mais densa, cada vez mais determinada, no contraponto (ou acareação emocional e
judiciária) com as personagens mais fortes e fundamentais do filme – o juiz e amigo
Giovanni Falcone (Fausto Russo Alesi), o amigo e mafioso Salvatore Cancemi (Luigi
Lo Cascio) e os parentes e opositores Pippo Calò (Fabrizio Ferracane) e Totò
Riina (Nicola Calì).
Eles são mesmo o melhor de um filme. Um filme que, por outro
lado, se perde nessa mesma dispersão emocional, por vezes não sabendo para que
lado deve atirar.
jef, outubro 2019
«O Traidor» (Il Traditore) de Marco Bellocchio. Com
Pierfrancesco Favino, Luigi Lo Cascio, Fausto Russo Alesi, Maria Fernanda Cândido, Luigi Lo
Cascio, Fabrizio
Ferracane, Nicola Calì, Bebo
Storti. Alemanha / Itália / França / Brasil, 2019, Cores, 145 min.
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