terça-feira, 8 de outubro de 2019

Sobre o filme «O Apartamento» de Billy Wilder, 1960

















Existe aqui uma arquitectura moderna, plástica e social, que pode dizer-se sem época ou termo. Tal como em «Tempos Modernos» de Charlie Chaplin (1936) ou «Playtime – Vida Moderna» de Jacques Tati (1967), ela é cómica e triste, ao mesmo tempo, alertando para os tempos que aí vêm.

Nova Iorque, 1 de Novembro de 1959. C.C. Baxter (Jack Lemmon) sabe que habitam aí 8.042.783 pessoas das quais 31.259 trabalham na “Consolidated Life”, aliás como ele próprio, uma companhia de seguros que, claro, é especialista em estatísticas. Ele vive num apartamento dispendioso perto do Central Park e vai rentabilizando-o emprestando-o a quem dele necessita para os encontros românticos e clandestinos da praxe. Talvez isso lhe renda a ascensão na empresa. Uma das ascensoristas que trabalha nos 16 elevadores é Fran Kubelik (Shirley MacLaine), uma jovem cativante e ambiciosa, também faz pela vida. Todos os dias se cruzam entre portas metálicas e automáticas.

«Some people take, some people get took» diz a ascensorista ao empregado das estatísticas, estratificando deste modo a sociedade. Tal como em Chaplin ou Tati, não existe metáfora mais perfeita para uma sociedade capitalista, material e perversa, que digere a humanidade em bloco sem atender a que cada indivíduo deve ser dono da sua própria estética e moral mas onde todos tendem a ser corrompidos. O concurso da luz fotográfica de Joseph LaShelle que disseca o amplo open-space onde trabalha C.C. Baxter ou a música de Adolph Deutsch que amplia o apartamento onde Fran Kubelik tenta o suicídio, não deixam margem para dúvidas. Todos procuram um espaço que não detêm nem conseguirão reaver, pois a chave anda trocada ou não está debaixo do tapete e os clássicos que passam na televisão são sistematicamente interrompidos por publicidade. Apenas o médico vizinho põe ordem na casa, num papel fundamental de realinhamento social: o Dr. Dreyfuss (Jack Kruschen). Todos os outros andam à deriva: a loira “Marilyn Monroe” (Joyce Jameson), a mulher do jockey preso em Havana Margie MacDougall (Hope Hliday), inclusive o chefe J.D. Sheldrake (Fred MacMurray) que se vê abandonado pela mulher, pela secretária-amante, pela ascensorista…

E se o “happy end” surge inevitável ao som de um possível tiro de uma rolha de champanhe a saltar, apenas é um final remediado onde o baralho de cartas é cortado para uma nova partida de gin-rummy. Contudo, a casa permanece num desalinho!

Jack Lemmon e Shirley MacLaine são rei e rainha, absolutos e gloriosos, nesta sempre actual comédia triste de costumes modernos.

jef, outubro 2019

«O Apartamento» (The Apartment) de Billy Wilder. Com Jack Lemmon, Shirley MacLaine, Fred MacMurray, Ray Walston, Jack Kruschen, David Lewis, Joan Shawlee, Maomi Stevens, Hope Holiday, Edie Adams, Willard Waterman, David White, Johnny Seven, Joyce Jameson. Argumento: Billy Wilder e I.A.L. Diamond. Direcção Artística: Alexander Trauner. Fotografia: Joseph LaShelle. Música: Adolph Deutsch. Som: Fred Lau. EUA, 1960, P/B, 122 min.

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