Existe
aqui uma arquitectura moderna, plástica e social, que pode dizer-se sem época
ou termo. Tal como em «Tempos Modernos» de Charlie Chaplin (1936) ou «Playtime
– Vida Moderna» de Jacques Tati (1967), ela é cómica e triste, ao mesmo tempo, alertando para os tempos que aí vêm.
Nova
Iorque, 1 de Novembro de 1959. C.C. Baxter (Jack Lemmon) sabe que habitam aí
8.042.783 pessoas das quais 31.259 trabalham na “Consolidated Life”, aliás como ele próprio, uma companhia de seguros que, claro, é especialista em estatísticas.
Ele vive num apartamento dispendioso perto do Central Park e vai
rentabilizando-o emprestando-o a quem dele necessita para os encontros
românticos e clandestinos da praxe. Talvez isso lhe renda a ascensão na
empresa. Uma das ascensoristas que trabalha nos 16 elevadores é Fran Kubelik (Shirley
MacLaine), uma jovem cativante e ambiciosa, também faz pela vida. Todos os dias se cruzam entre portas metálicas e automáticas.
«Some
people take, some people get took» diz a ascensorista ao empregado das estatísticas,
estratificando deste modo a sociedade. Tal como em Chaplin ou Tati, não existe
metáfora mais perfeita para uma sociedade capitalista, material e perversa, que
digere a humanidade em bloco sem atender a que cada indivíduo deve ser dono da
sua própria estética e moral mas onde todos tendem a ser corrompidos. O concurso
da luz fotográfica de Joseph LaShelle que disseca o amplo open-space onde
trabalha C.C. Baxter ou a música de Adolph Deutsch que amplia o apartamento
onde Fran Kubelik tenta o suicídio, não deixam margem para dúvidas. Todos
procuram um espaço que não detêm nem conseguirão reaver, pois a chave anda
trocada ou não está debaixo do tapete e os clássicos que passam na
televisão são sistematicamente interrompidos por publicidade. Apenas o médico
vizinho põe ordem na casa, num papel fundamental de realinhamento social: o Dr.
Dreyfuss (Jack Kruschen). Todos os outros andam à deriva: a loira “Marilyn
Monroe” (Joyce Jameson), a mulher do jockey preso em Havana Margie MacDougall
(Hope Hliday), inclusive o chefe J.D. Sheldrake (Fred MacMurray) que se vê
abandonado pela mulher, pela secretária-amante, pela ascensorista…
E se o
“happy end” surge inevitável ao som de um possível tiro de uma rolha de
champanhe a saltar, apenas é um final remediado onde o baralho de cartas é
cortado para uma nova partida de gin-rummy. Contudo, a casa permanece
num desalinho!
Jack
Lemmon e Shirley MacLaine são rei e rainha, absolutos e gloriosos, nesta sempre
actual comédia triste de costumes modernos.
jef,
outubro 2019
«O Apartamento»
(The Apartment) de Billy Wilder. Com Jack Lemmon, Shirley MacLaine, Fred
MacMurray, Ray Walston, Jack Kruschen, David Lewis, Joan Shawlee, Maomi
Stevens, Hope Holiday, Edie Adams, Willard Waterman, David White, Johnny Seven,
Joyce Jameson. Argumento: Billy Wilder e I.A.L. Diamond. Direcção Artística:
Alexander Trauner. Fotografia: Joseph LaShelle. Música: Adolph Deutsch. Som:
Fred Lau. EUA, 1960, P/B, 122 min.
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