O
cinema de Satyajit Ray é enorme, universal, e oferece-nos este «A Grande
Cidade» como um manual prático de procedimentos citadinos ou uma bíblia teórica
sobre o comportamento humano.
Estamos
em Calcutá, em 1963, a viver em casa do extremoso pai de família Subrata
Mazumdar (Anil Chatterjee), acarinhado pela esposa vigilante Arati Mazumder (Madhabi
Mukherjee), acompanhado pelo filho de ambos, a sua irmã estudante e os seus
pais. O espaço é exíguo. Todos se compreendem, entreajudam-se, agregam-se, mas
todos também reprimem certos modos atávicos e ancestrais de incompreensão ou desagregação.
A intimidade é criada no seio de uma cidade gigantesca e sem portas. O dinheiro
escasseia, a doença exige, o desemprego espreita. A mãe de todos, Arati, não
terminou o curso mas deseja intimamente realizar-se procurando um emprego para ajudar nas despesas. A tal cidade sem portas é vigilante, fracturada e injusta. Porém, a
justiça não será vencida, não poderá haver cedências. O amor assim o dita.
De
um modo prosaico, podemos comparar o filme a uma cebola ou a um caleidoscópio
tão múltipla é a forma como nos mostra a família, o afecto, a cidade, a cultura, os
preconceitos, o racismo, a história. Uma história sobre a condição feminina
que, afinal, poderá ser, afinal, a história da condição masculina.
Toda
a beleza fica sustentada nas lágrimas de Arati, no carinho com que Subrata as
seca, no caminho que ambos depois seguem, lado a lado, pelo interior da cidade monumental.
Monumentalmente neo-realista é esta cena pelo traço de futuro conquistado com que
sublinha o final de um dos mais bonitos filmes do mundo.
jef, junho 2021
«A
Grande Cidade» (Mahanagar) de Satyajit Ray. Com Anil Chatterjee, Madhabi
Mukherjee, Jaya Bhaduri, Haren Chatterjee, Sefalika Devi, Prasenjit Sarkar,
Haradhan Bannerjee, Vicky Redwood. Argumento: Satyajit Ray segundo a história
de Narendranath Mitra. Fotografia: Subrata Mitra. Produção: R.D. Bansal. Índia,
1963, P/B, 131 min.
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