Não
sei bem quais os limites do realismo ou do neo-realismo. Bem vistas as coisas,
não saberei mesmo o que são o realismo e o neo-realismo. Apenas sei que a minha
mãe dizia que «Ladrões de Bicicletas» (1948), do qual era devota, era um dos
marcos do neo-realismo.
O
grande crítico francês André Bazin, no seu artigo de 1952, diz-se paralisado
não sabendo como apresentar o maior realizador do cinema italiano. Ele próprio
diz-se devoto de «O Milagre de Milão».
Por
outro lado, e para justificar todo o ciclo de extraordinária fantasia do filme,
o próprio realizador considera-se devedor de Charlie Chaplin e René Clair,
mestres da fantasia realista.
E
eu que, muito modestamente, trago no coração o mundo realisticamente onírico de
«Mary Poppins» (Robert Stevenson, 1964), «O Grande Peixe» (Tim Burton,
2003) ou «O Sentido da Vida» (Monty Phyton, 1983), acho que saí também de «O Milagre de Milão» com essa sensação de liberdade e alegria absolutas. Saí mais leve, de sorriso franco.
Como
é possível fazer-se um filme assim. Sem baias nem peias, elevando a bondade a
um patamar no qual o ser ingénuo e o ser consciente associam-se numa espécie de
paradigma político. E quantos políticos não falarão em milagre quando teorizam
a utópica melhoria de uma sociedade.
Afinal,
Totò, uma criança que nasceu das couves e teve por mãe uma avó maravilhosa que
regressa dos céus para lhe trazer a pomba dos milagres, irá ajudar a construir
num baldio a cidade dos pobres que tem por nome das ruas a tabuada, que decoram
as casas com lixo reciclado, que anseiam por ter casacos de peles e chapéus
altos como os ricos e poderosos, lembrando os símbolos capitalistas do
artista-caricaturista George Grosz. Afinal, o baldio está assente num solo
ensopado de petróleo límpido como água, os contingentes policiais são
comandados por cantores de ópera e na mansão marmoreada do milionário Mobbi existe um lacaio pendurado do lado de fora para ir fazendo o relato
meteorológico. Claro que há, entre os bons pobres, um Judas ressabiado que não
tem espaço na clareira onde se aquecem ao Sol saltitando, mas também existe
sempre um empreendedor que sabe organizar uma plateia e vender bilhetes para
assistirem ao pôr-do-sol.
Nada
do que se poderá pensar sobre o fundamento do neo-realismo fica de pé ao
contemplar-se este filme.
Afinal,
os milagres existem mesmo e não são divinos, nem sequer, aqui, políticos. Neste
filme, o milagre está entregue ao mais vasto firmamento encantado do cinema.
Viva
Vittorio De Sica!
jef,
junho 2021
«O
Milagre de Milão» (Miracolo a Milano) de Vittorio De Sica. Com Francesco
Golisano, Emma Gramatica, Paolo Stoppa, Guglielmo Barnabò,
Brunella
Bovo, Anna Carena. Argumento: Vittorio De Sica, Suso Cecchi D’Amico, Mario
Chiari, Adolfo Franci, segundo romance de Cesare Zavattini Produção: Vittorio
De Sica. Fotografia: G.R. Aldo. Música: Alessandro Cicognini. Montagem: Eraldo
Da Roma. Cenografia: Guido Fiorini. Guarda-roupa: Mario Chiari. Itália, 1951,
P/B, 97 min.
Muito obrigada!
ResponderEliminarLevo.
Cumprimentos