sexta-feira, 18 de junho de 2021

Sobre o filme «Minha Mãe» de Christophe Honoré, 2004


























Desconheço o livro «Ma Mère» de George Bataille, editado em 1966 quatro anos após a sua morte, no qual Christophe Honoré se baseou. Ensaísta, romancista, antropólogo, filósofo, dizem que o escritor se aproximou e se afastou do catolicismo, do comunismo, do surrealismo. Homem de excessos, tinha uma visão transbordante e transgressora do erotismo, da psicanálise, do comportamento, da literatura. Referem ainda que o tal livro dificilmente seria transposto para o mundo visual e dramático do cinema.

Repito, desconheço «Ma Mère» de George Bataille.

Porém, Christophe Honoré consegue transmitir o ambiente instável, desviante, quase sórdido, dessa aproximação sexual do filho Pierre (Louis Garrel), jovem adulto quase imberbe, pela sua mãe, Hélène (Isabelle Huppert), recentemente viúva, ávida, impulsiva, provocadora, insaciável, quase puta. Uma mãe que quer perto o filho mas ao mesmo tempo o afasta, colocando-o nas mãos e no sexo libertário de mais jovens e experientes profissionais: Réa (Joana Preiss) primeiro, Hansi (Emma de Caunes) depois. Hélène conhece-as bem e o Marquês de Sade não faria melhor.

O cenário é uma das estâncias balneares, urbanisticamente destroçadas, socialmente degradadas, das Canárias. O ruído é o do mundo que se desagrega, a luz tem um grão que parece ofuscar. Nada parece belo (mas é-o!). A câmara (Hélène Louvart), com pudor, nunca mostra todos os corpos, todo o sexo, mas percorre incessantemente os antros, os corredores dos centros comerciais, as ruas vazias e desfiguradas daquele deserto vulcânico. Pierre não teme rezar sobre a areia e ir até onde Hélène deseja que ele vá, mas fá-lo numa espécie de acto de constrição, de suplício, tentando salvar a alma e a libido. Todo o sexo é puramente impuro pois nunca lhe satisfará o desejo. E, tal como na Bíblia, é na morte que encontra a sublimação, negando-a, negando-se, quando, desejando desaparecer, ele grita por fim: «Eu não quero morrer!».

E o que nos fica na memória quando o filme acaba é mesmo o esqueleto dessa ternura imperdoável.

 

jef, junho 2021

«Minha Mãe» (Ma Mère) de Christophe Honoré. Com Isabelle Huppert. Louis Garrel, Emma de Caunes, Joana Preiss, Jean-Baptiste Montagut, Dominique Reymond, Olivier Rabourdin, Philippe Duclos, Pascal Tokatlian, Theo Hakola, Nuno Lopes, Patrick Fanik, Susi Egetenmeier, Sylvia Love Johnson. Argumento: Christophe Honoré segundo romance de Georges Bataille. Fotografia: Hélène Louvart. Produção: Paulo Branco. França / Portugal, 2004, Cores, 108 min.

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