quinta-feira, 24 de junho de 2021

Sobre o livro «O Barão» de Branquinho da Fonseca. Europa-América, Colecção Livros de Bolso 53


 









Dizem pelas linhas digitais da internet que Branquinho da Fonseca fundou em 1927, com José Régio e João Gaspar Simões, a revista Presença, e que a pedido de Azeredo Perdigão iniciou em 1958 e dirigiu o Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. Contudo, não é preciso saber de tal currículo para ler «O Barão» e entender que estamos perante um texto único e inclassificável.

A chegada do inspector escolar a um lugar ermo e nocturno, no meio de Portugal (talvez mesmo olugar sombrio seja mesmo Portugal inteiro), dizendo nas primeiras palavras: “Não gosto de viajar.”, é de uma modernidade sem tempo nem qualificação. Parece uma personagem existencialista saída da nouvelle vague francesa, dessas que se entendiam, resmungam mas deixam que a vida lhes cumpra a predestinação. Ele só quer ficar parado as férias inteiras. Porém, ali chegado, é convidado-comandado a ficar no palacete quase assombrado de um Barão que não come mas bebe vinho tinto e champanhe, e muito. E amou uma única mulher e usa de uma liberdade total e angustiada, feita de soberba deprimida, de ânsia fantasmagórica, quase tétrica. Idalina, a criada, sustém-lhe a vida, as memórias amargas e o casarão.

Sem dúvida um texto singular, inexplicado, inquietante, cinematográfico, que deixa a capa deste pequeno livro à beira da ignomínia mas logo, mal o comecei a ler, apelou à boa memória de um filme de Edgar Pêra (2011) com o malogrado actor Nuno Melo por Barão.

Sem deixar a sombra da morte e de certo modo a da fantasmagoria onírica, segue-se o conto «Mãos Frias» a lembrar os contos de Maria Ondina Braga ou Maria Judite de Carvalho e «O Involuntário», a história de outro personagem, Filipe de Maio ou Filipe da Maia, que foge do Outono, diletante e entediado, seguindo apenas o acaso que o destino lhe reserva. Porém, o acaso também aqui não se explica mas, ainda assim, aprisiona.


jef, junho 2021

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