quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Sobre o filme «A Filha do Poceiro» de Marcel Pagnol, 1940


















Podemos assistir a este filme como sendo uma comédia dramática. Ou um melodrama cómico de epílogo moral. Ou até como uma fábula de Esopo. Ou uma parábola bíblica. Ou um episódio homérico. Ou um conto marxista anti-marxista.

Patricia (Josette Day) é uma rapariga virginal, simples e caridosa, a extremosa filha mais velha do humilde poceiro Pascal Amoretti (Raimu). Apaixona-se por Jacques Mazel (Georges Grey), garboso piloto de aviação e filho do abastado comerciante André Mazel (Fernand Charpin) e de Marie Mazel (Line Noro), do qual acaba por engravidar. Porém, Félipe Rambert (Fernandel), modesto ajudante de seu pai na abertura dos poços, está encantado por ela e tudo fará pela sua felicidade.

Este filme é uma longa sequência de preconceitos, encantamentos, repúdios, pedidos de desculpa, reconciliações, regressos improváveis, nascimentos milagrosos. Afinal, é um filme fantástico sobre o verdadeiro Amor, a verdadeira Paixão, a Amizade pura, o efeito do Perdão.

Nada seria sem o instinto (quase divino) de Marcel Pagnol em colocar a câmara ao serviço do próprio instinto dos grandes actores. Perante o drama, ele concede a palavra mais cómica, o gesto perfeito, o esgar único, a situação insólita, insinuando o riso perante a tragédia. Desconcertando o espectador que fica sem saber qual será a próxima reviravolta moral, onde terminará aquele vaivém de amor e rejeição, ingenuidade e tradição, orgulho contido e amizade impoluta.

Nada seria sem essa figura divina, intocada e intocável, criada por Josette Day. Nem sem o confronto entre Raimu e Fernandel. Nem sem o esgrimir moralizante entre Raimu e Fernand Charpin.

Ao espectador tudo isto parece perfeitamente imoral, pois ri de uma tragédia tão próxima e lacrimeja de um final tão conciliador. E a guerra pelo meio. E a cidade e o campo em contradição. E a tecnologia motorizada justaposta à travessia arcádica de uma ribeira.

Este filme tem na génese o mais simples (ou complexo) prazer literário!

jef, setembro 2018

«A Filha do Poceiro» (La Fille du Puisatier) de Marcel Pagnol. Com Raimu, Fernandel, Josette Day, Line Noro, Georges Grey, Milly Mathis, Clairette Odera, Roberte Asnaud, Raymonde, Tramel. Argumento: Marcel Pagnol, Fotografia: Willy Faktorovitch, Música: Vincent Scotto. Produção: Charles Pons, Marcel Pagnol. França, 1940, Cores, 140 min.

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