terça-feira, 25 de setembro de 2018

Sobre o livro «Avenida do Príncipe Perfeito» de Filomena Marona Beja. Parsifal, 2017














Filomena Marona Beja é uma autora que tem mundo. Os pés assentes na terra, o espírito, numa sociedade que aguarda o princípio histórico, uma análise factual, uma planta, um alçado, uma geografia que merece ser percorrida de régua, mapa ou bússola na mão. O seu mundo é o nosso e está aí para ser lido. Mais do que recordado, interpretado.

Não admite a escrita fora do contexto. Lisboa, as últimas décadas do século passado. A oriente, a transformação geográfica dos arrabaldes em local de lazer, de Expo’98, de busca imobiliária por terrenos sacados aos contentores, às refinarias, aos depósitos de lixo. Uma cidade rodeada de um mundo feito de guerras entre o Irão e o Iraque, invasões bélicas por motivo de armas de destruição massiva e ganância petrolífera. As torres gémeas e o 11 de Setembro. Quem não recorda?

Mas sobre tudo isto a vida de um atelier de arquitectura e construção civil e de todos os que seguiam o mestre Manuel Caio, o mestre carpinteiro Abel Martins, o engenheiro Alexandre. A construção da vivenda de estilo e presunção dos Laranjeira e Sá, e de sua filha Maria Benedicta…

Se existe escritora amável e que mais luta pela pesquisa do presente nos anéis e nos anuais de um passado que quase nos toca, ela é Filomena Marona Beja. A contenção no uso das palavras, a sua feroz táctica sintáctica em poupar em longos períodos, parágrafos e capítulos, revela acima de tudo, uma destreza narrativa que encanta e nos faz reflectir sobre quanto a nossa memória também proporciona uma estranha mistura dos tempos da acção que nos vai rodeando.

Os livros de Filomena Marona Beja lêem-se com um enorme prazer.

jef, setembro 2018

Sem comentários:

Enviar um comentário