Filomena Marona Beja é uma autora que tem mundo. Os pés
assentes na terra, o espírito, numa sociedade que aguarda o princípio
histórico, uma análise factual, uma planta, um alçado, uma geografia que merece
ser percorrida de régua, mapa ou bússola na mão. O seu mundo é o nosso e está
aí para ser lido. Mais do que recordado, interpretado.
Não admite a escrita fora do contexto. Lisboa, as últimas
décadas do século passado. A oriente, a transformação geográfica dos arrabaldes
em local de lazer, de Expo’98, de busca imobiliária por terrenos sacados aos
contentores, às refinarias, aos depósitos de lixo. Uma cidade rodeada de um
mundo feito de guerras entre o Irão e o Iraque, invasões bélicas por motivo de armas
de destruição massiva e ganância petrolífera. As torres gémeas e o 11 de
Setembro. Quem não recorda?
Mas sobre tudo isto a vida de um atelier de arquitectura e
construção civil e de todos os que seguiam o mestre Manuel Caio, o mestre
carpinteiro Abel Martins, o engenheiro Alexandre. A construção da vivenda de
estilo e presunção dos Laranjeira e Sá, e de sua filha Maria Benedicta…
Se existe escritora amável e que mais luta pela pesquisa do
presente nos anéis e nos anuais de um passado que quase nos toca, ela é
Filomena Marona Beja. A contenção no uso das palavras, a sua feroz táctica sintáctica
em poupar em longos períodos, parágrafos e capítulos, revela acima de tudo, uma
destreza narrativa que encanta e nos faz reflectir sobre quanto a nossa memória
também proporciona uma estranha mistura dos tempos da acção que nos vai rodeando.
Os livros de Filomena Marona Beja lêem-se com um enorme
prazer.
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