Em Jacques Becker existe um modo, digamos “aristocrático”, de
tocar a película. O jeito inviolável de colocar a decência do cinema acima de
qualquer suspeita. Contar uma história sem que o ecrã dê por isso. A estética dos planos e do instinto de fazer cinema é para ele um dogma moral. Nada os pode ultrapassar.
Max (Jean Gabin) não se despenteia mesmo quando dá uma série
de estaladas em série no quarto onde se esconde Josy (Jeanne Moreau)
namorada de Riton (René Dary), apanhada “namoriscando” com Angelo (Lino Ventura),
um certo gangster que trabalha num sector diferente mas na mesma área geográfica.
Max acabou de realizar o seu último golpe e preparava-se para ir gozar uma reforma
merecida.
A partir deste simples, quase infantil, estratagema narrativo,
Jacques Becker vai mostrando a honestidade dos planos rápidos, sincopados, levando
a câmara estrategicamente atrás dos passos ininterruptos dos personagens. Os gangsters
estão vestidos de forma impecável, as coristas-dançarinas movem-se como num palco apertado de teatro, a jukebox toca repetidamente um tema inesquecível em modo western
de Ennio Morricone, os
automóveis estão polidos ao infinito para lançar o brilho sedutor sobre os espectadores, captando o estrépito das automáticas nas cenas do resgate nocturno de Riton. Aqui há qualquer coisa de Orson Welles...
Inclusive, quando Max foge para uma segunda habitação e leva
o seu amigo Riton para ali pernoitar, Jacques Becker faz-nos assistir à
partilha de uma refeição frugal e a um distribuir de lençóis, pijamas e escovas
de dentes, provando a intimidade fraterna que existe entre os dois camaradas de
crime, mas também o sentido de lealdade protectora de Max, a sua educação e
cumplicidade, apesar de tudo quando este pensa do outro e é ouvido em voz-off. Aqui há qualquer coisa de John Ford...
Este filme de cowboys-gangsters oferece a dimensão enorme do
actor Jean Gabin e a política teatral da lisura cinematográfica de Jacques
Becker.
jef, setembro 2018
«O Último Golpe» (Touchez Pas au Grisbi) de Jacques Becker. Com
Jean Gabin, René Dary, Vittorio Sanipoli, Gaby Basset, Paul Barge, Alain
Bouvette, Daniel Caichy, Denise Clair, Angelo Dessy, Jeanne Moreau, Lino
Ventura, Dora Doll, Delia Scala, Marilyn Buferd, Paul Frankeur, Lucilla Solivani, Paul Œttly. Argumento:
Jacques Becker, Albert Simonin, Maurice Griffe, baseado no romance de Albert Simonin.
Música: Jean Wiener. Fotografia: Pierre Montazel. Produção: Robert Dorfmann. França,
1960, 94 min.
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