O mais divertido deste
filme, de sumptuosas cores e cenários minuciosos, é o facto de Luis Buñuel, não
desvirtuando o romance de aventuras de Daniel Dafoë, conseguir colocar lá
dentro todo o seu modo intuitivamente psicanalítico de fazer cinema. Robinson
Crusoe (Dan O’Herlihy) é um homem que passa a maior parte dos 30 anos, 2 meses
e 19 dias (o que é que isto me está agora a fazer lembrar…) sozinho – e nós com
ele –, aprendendo a fazer tudo aquilo que não sabia (ou se recusava) a fazer.
Para além, da caça e da recolecção, a maioria tarefas femininas. Desejando
ouvir a voz humana (que o papagaio grita) mas que o fiel cão, o amoroso gato e
todos os outros milhentos animais não reproduzem mas que ele acarinha.
Afugentando os pesadelos recalcados de um pai que o castiga por imprudência e
desobediência. Reouvindo-se no eco do vale com as palavras bíblicas gritadas a um Deus magnânimo mas castigador, numa das cenas mais fortes do filme.
Estranhando o espantalho de vestes femininas que adejam ao vento como se o
chamassem (ou o repudiassem). Percorrendo as praias de um 'México' luxuriante de
sombrinha de sol, barretinho de pele e vestes únicas. Um quase palhaço, louco e
benévolo.
Até que, já quase no final,
chega um Sexta-feira (Jaime Fernández) airoso e belo, divertido, gentil e submisso, que uma vez
até se veste com os velhos vestidos femininos e usa um colar de moedas de ouro.
Sexta-feira é inteligente, deixa logo o canibalismo, está pronto
a partilhar todas as tarefas com o seu amo e chega a fazer uma prelecção sobre
a frágil omnipotência divina face às tentações do diabo. Como era de prever,
Sexta-feira torna-se muito amigo de Robinson Crusoe e este nem se dispensa de o
deixar fumar o seu cachimbo.
Por fim, chegada a hora de
regressar a Inglaterra, Robinson Crusoe pergunta a Sexta-feira se, verificando
que os costumes sangrentos da Europa não são moralmente diversos dos da sua
tribo canibal, ainda deseja partir com ele. E lá seguem os dois de viagem…
Buñuel é o cineasta que melhor
traduz a diversão explícita, o humor implícito e a sexualidade latente, através
da sugestão, da parábola e da metáfora.
jef,
julho 2019
«As Aventuras de Robinson Crusoe» (The Adventures of Robinson Crusoe) de
Luis Buñuel. Com Dan O’Herlihy, Jaime
Fernández, Felipe de Alba, José Chávez, Emilio Garibay, Chel López. Argumento
de Hugo Butler (Philip Roll) e Luis Buñuel sobre a obra de Daniel Dafoë,
Fotografia: Alex Phillips (eastmancolor), Música: Anthony Collins e Luis
Hernández Bretón, Décors: Edward Fitzgerald e Pablo Gálvan.1953, México / EUA, Cores,
89 min.
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