segunda-feira, 8 de julho de 2019

Sobre o livro «A Gaivota» de Sándor Márai. Dom Quixote, 2016. Tradução de Piroska Felkai / Clara Boléo
















O conselheiro de estado tem 45 anos, vive em Budapeste e acabou de enviar ao ministro um documento que, no dia seguinte, quando for divulgado poderá alterar o destino da Europa. Os diversos continentes alinham-se perante a estratégia nazi. Paris (ou Vichy) teve a sua estratégia. A Húngria poderá ter outra. O homem vive na ressaca de um velho amor que desapareceu abruptamente mas sobrevive de modo tranquilo entre guerras e as memórias que se repetem. Nessa mesma manhã uma jovem finlandesa pede-lhe para ser recebida. Precisa de emprego, talvez protecção. À noite, ele irá ver o «Baile de Máscaras» à ópera de Budapeste.

Ao longo de um dia e uma noite, o conselheiro perceberá que as memórias (ou a vida, talvez as guerras) não se repetem mas sobrepõem-se.

Sándor Márai que, a dada altura do livro, parece, ele próprio, perder-se numa série repetida de genes, ‘matizes’, imagens e ideias fixas, permanece como escritor fora de época, ou fim de época, no seu tom cuidadoso, mais existencialista e psicanalítico que romântico. Talvez oitocentista, zweiguianista, que sempre nos deixa numa aura ou penumbra irremediáveis face a um tempo passado de que só a memória, que podemos alterar a qualquer momento, nos salvará.

jef, julho 2019

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