terça-feira, 30 de julho de 2019

Sobre o filme «Nazarín» de Luis Buñuel, 1958











A meio da sua demanda pelo ascetismo, despojamento e caridade, o ostracizado padre Nazário (Francisco Rabal), sentado entre a suicida e meia-louca Beatriz (Marga López) e a prostituta e assassina Andara (Rita Macedo), suas devotas seguidoras, vai deixando passear um caracol na sua mão enquanto afirma que as ama de igual modo. Em claro modo casto mas que a sociedade e a igreja, atavicamente preconceituosas, não compreendem ou admitem.

Em muitos textos se refere que a peregrinação daquele homem entre mendigos, prostitutas, doentes, operários, prisioneiros ou sacerdotes, se aproxima da vida de Cristo ou do delírio de Dom Quixote. Acrescento que também poderá ser comparado a São Francisco.

Todas as questões levantadas neste filme são essenciais e colocam a dúvida sobre cada acto, a consciência em cada tomada de decisão: as perguntas da refugiada febril Andara são justas mas nós não escutamos as respostas; o ícone de Cristo na igreja ri com escárnio de Nazário; Andara coloca Santo António na fogueira mas salva o Menino Jesus; na aldeia pestilenta a moribunda rejeita o amor de Cristo e roga pelo amor do seu companheiro; o anão ama Andara mas comporta-se como traidor; na prisão, o ladrão afirma que tanto ele, do lado mau, como o padre Nazário, do lado bom, não chegarão a lado nenhum…

Não existe filme mais cristão e menos apostólico romano. Toda a dúvida está contida na mente humana, mesmo a de um crente, mesmo em Cristo que pergunta no final por que terá sido abandonado, por isso, aqui, Nazário-Cristo recusa mas por fim aceita a piedosa oferta de uma fruta enquanto ouve os tambores da morte e caminha exausto em direcção ao castigo.

Um filme que precisa ser visto muitas vezes para ser compreendido muitas vezes.

jef, julho 2019

«Nazarín» de Luis Buñuel. Com Francisco Rabal, Marga López, Rita Macedo, Ignacio López Tarso, Ofelia Guilmáin, Luis Aceves Castañeda, Noé Murayama, Rosenda Monteros, Jesús Fernández, Aurora Molina, Pilar Pellicer, Antonio Bravo, Edmundo Barbero, Raúl Dantés, Ada Carranco, David Reynoso. Argumento: Luis Buñuel, Julio Alejandro, Emilio Carballido, baseado no romance homónimo de Benito Pérez Galdós. Fotografia: Gabriel Figueroa; Música: Macedio Alcalá (tema ‘Dios nunca Muere’ (órgão)) e tambores de Calanda. Produção: Manuel Barbachano Ponte. 1958, México, P/B, 94 min.

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