A meio da sua demanda pelo
ascetismo, despojamento e caridade, o ostracizado padre Nazário (Francisco
Rabal), sentado entre a suicida e meia-louca Beatriz (Marga López) e a
prostituta e assassina Andara (Rita Macedo), suas devotas seguidoras, vai deixando
passear um caracol na sua mão enquanto afirma que as ama de igual modo. Em
claro modo casto mas que a sociedade e a igreja, atavicamente preconceituosas,
não compreendem ou admitem.
Em muitos textos se refere
que a peregrinação daquele homem entre mendigos, prostitutas, doentes, operários,
prisioneiros ou sacerdotes, se aproxima da vida de Cristo ou do delírio de Dom
Quixote. Acrescento que também poderá ser comparado a São Francisco.
Todas as questões levantadas
neste filme são essenciais e colocam a dúvida sobre cada acto, a consciência em
cada tomada de decisão: as perguntas da refugiada febril Andara são justas mas
nós não escutamos as respostas; o ícone de Cristo na igreja ri com escárnio de
Nazário; Andara coloca Santo António na fogueira mas salva o Menino Jesus; na
aldeia pestilenta a moribunda rejeita o amor de Cristo e roga pelo amor do seu
companheiro; o anão ama Andara mas comporta-se como traidor; na prisão, o
ladrão afirma que tanto ele, do lado mau, como o padre Nazário, do lado bom,
não chegarão a lado nenhum…
Não existe filme mais
cristão e menos apostólico romano. Toda a dúvida está contida na mente humana,
mesmo a de um crente, mesmo em Cristo que pergunta no final por que terá sido
abandonado, por isso, aqui, Nazário-Cristo recusa mas por fim aceita a piedosa
oferta de uma fruta enquanto ouve os tambores da morte e caminha exausto em
direcção ao castigo.
Um filme que precisa ser
visto muitas vezes para ser compreendido muitas vezes.
jef,
julho 2019
«Nazarín» de Luis Buñuel. Com Francisco
Rabal, Marga López, Rita Macedo, Ignacio López Tarso, Ofelia Guilmáin, Luis
Aceves Castañeda, Noé Murayama, Rosenda Monteros, Jesús Fernández, Aurora
Molina, Pilar Pellicer, Antonio Bravo, Edmundo Barbero, Raúl Dantés, Ada
Carranco, David Reynoso. Argumento: Luis Buñuel, Julio Alejandro, Emilio
Carballido, baseado no romance homónimo de Benito Pérez Galdós. Fotografia: Gabriel
Figueroa; Música: Macedio Alcalá (tema ‘Dios nunca Muere’ (órgão)) e tambores
de Calanda. Produção: Manuel Barbachano Ponte. 1958, México, P/B, 94 min.
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