O filme é uma daquelas
comédias dramáticas musicais que começa quando Don Quintin (Fernando Soler),
esforçado caixeiro-viajante mas sem sucesso, amável marido e pai de família,
descobre a esposa na cama com outro. Expulsa-a escadas a baixo e coloca a
filhinha, que não é sua, à porta de uma família pobre que a adopta. Don Quintin
torna-se num ressabiado e malévolo dono de um casino, bar, cabaret de nome «O Inferno»
que gosta de tomar ‘café solo’ sem leite nem gente por perto, excepto se acompanhado
pelos dois acólitos ‘meio-palhaços’ Angelito (Fernando Soto “Mantequilla”) e
Jonrón (Nacho Contla). Afinal Marta (Alicia Caro) é mesmo sua filha, enamora-se
pelo educado garagista Paco (Rubén Rojo) de quem espera um filho. É claro que
tudo vai dar um maravilhoso trabalhão a reconciliar no final de apenas 80
minutos. Mas Buñuel fá-lo com extraordinário sentido cénico e princípio
estético.
A bem notar:
a)
a cena inicial até que a
lâmpada se apaga por falta de pagamento da electricidade, acompanhada pela extraordinária
música de Manuel Esperón;
b)
a cena operática de repúdio
da adúltera na escadas;
c)
a cena de antologia quando o
pistoleiro, pistola em riste, exige que a roleta premeie o número escolhido («Ui!
Ui!») e, mais tarde, já no gabinete de Don Quintin, a sair por trás do sofá sob
restos de mobiliário;
d)
a estreia de Jovita (Lily
Aclemar) no cabaret é maravilhosa;
e)
A entrada do clero no casino
e nos bastidores, entre a fuga desesperada das dançarinas-coristas, só podia ter
sido inventada por Buñuel.
Que bela tarde de cinema, a
ver um dos filmes realizados (tão bem!) por Buñuel e que ele designava por ‘alimentícios’
pois tinha contas a pagar.
jef,
julho 2019
«A Filha do Engano» (La Hija del Engaño) de Luis Buñuel. Com Fernando
Soler, Alicia Caro, Rubén Rojo, Fernando Soto “Mantequilla”, Nacho Contla,
Amparo Garrido, Lily Aclemar, Alvaro Matute, Roberto Meyer, Conchita Gentil
Arcos. Argumento de Luis e Janet Alcoriza baseado na zarzuela ‘Don Quintin el
Amargao’ de Carlos Arniches e José Estremera. Fotografia: José Ortiz Ramos;
Música: Manuel Esperón. Produção: Oscar Dancigers / Ultramar Films. 1951,
México, P/B, 80 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário