segunda-feira, 15 de julho de 2019

Sobre o livro «O Que Eu Ouvi na Barrica das Maçãs» de Mário de Carvalho, Porto Editora, 2019














Este livro de Mário de Carvalho está, para mim, leitor que gosta de agrupar temas, entre dois dos livros do autor que os meus coração e atenção guardam entre os relidos: «Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão» (2014) e «A Liberdade de Pátio» (2013). E não será por acaso. O terceiro capítulo «Oficiando» completa e sublinha, entre a paródia séria e advertência literária, muito do que o livro de 2014 já tinha feito pela leitura, que se deseja cada vez mais atenta, e a escrita, cada vez mais concisa e consciente. Os restantes três, sobre uma possível ficção, uma provável intervenção, uma inevitável e justíssima memória, fazem-me lembrar os textos curtos, quase fábulas, com homens, bichos, palavras e aventura, que integram o melhor da literatura ‘curta’ portuguesa.

Chamaria a estes últimos ‘contos’, retirar-lhes-ia a data e a vocação efémera de ‘actualidade’ que o jornalismo impõe a estes textos de perspectiva multi-semanal. Afastaria ainda a índole pessoal que a persona do escritor deve impor enquanto cronista, ajustaria o ‘abstracto temporal’ da publicação em livro e atirar-me-ia à leitura sem olhar para o relógio. Assim fiz.

Pois estes textos induzem à pausa para reflectir porque nos reflectem, à busca em dicionários para buscar significados, aos mais rápidos priberans e googles na pesquisa de referências e origens. Porque nos colocam no centro das questões primeiras: por que ler? Por que escrever? Por que estar por aqui e a esta hora?

Se não parecesse a alguém ofensivo, gostaria de dizer que Mário de Carvalho tem, nestes textos, alguma coisa de bobo, dos verdadeiros, belos caricaturistas, dos que dizem, através de uma graça inteligente e amável, a crítica que o rei nem sequer imaginou aceitar, ou de padre, dos melhores, dos que aparecem em «Roma, Cidade Aberta» de Rossellini, que apontam, ajudam acerrimamente a ponderar, mas não julgam.

Pena é que o prefaciador, entre desculpas temporais e reverências solícitas, não tenha conseguido enaltecer a irreverente pulsão juvenil do autor e a futura carga de responsabilidade política e moral a que estes ‘contos’ obrigam agora a nossa leitura.

jef, julho 2019

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