Quando
as férias vão começar deverá haver suficiente ansiedade na chegada à praia.
E não é apenas porque o Senhor Hulot apareceu, gentil, amável, generoso, mas
desastrado, na sua viatura fora de uma moda que Jacques Tati nunca cumpriu.
Jacques
Tati nestas férias 'fala muito', da guerra passada, talvez da actual, da crise e da
angústia das bolsas, dos estudantes que pretendem uma sociedade nova, da vida
que afinal comporta sempre a nostálgica tristeza do fim das férias. Mesmo quando
elas mal se iniciaram… Jacques Tati é rei nessa melancolia que transporta a consciência
de mundos que estão prestes a desvanecer-se. E fá-lo dentro de um cenário
quase claustrofóbico onde a marcação de cena é mais próximas do bailado do que
do teatro. Quer seja na baía atlântica onde se situa o Hotel de la Plage, quer
estejamos no seu interior.
Claro
que existe a luminosidade única (Jacques Mercanton, Jean Mouselle). Claro que o
tema musical de Alain Romans aparta o dia da noite; interrompe as cenas
burlescas para sublinhar a comoção encantatória quando é avistada na janela a
jovem banhista, em enquadramento perfeito. Também essa espécie de silêncio
musical refaz o dia-a-dia tranquilo que o Senhor Hulot teima em fazer
descarrilar, quer transforme uma canoa num tubarão sanguinário, quer deixe
entrar a dramática nortada pela porta, quer jogue ténis com a infalível técnica
aprendida no quiosque um minuto antes; quer ele opte por colocar o fogo de artificio
a girar noite dentro ou o swing-bop em alto e bom som no gira-discos.
Contudo,
a cena que traduz tanto o Senhor Hulot como a persona Jacques Tati são a delicadeza
e a sensualidade da dança no baile de máscaras entre a Columbina e o Pirata, deixando
o velho que passeia sempre a cinco metros da esposa, definitivamente do lado de
Hulot, ao espreitá-los pela janela.
Finalmente,
quando tudo acaba em bem, as férias terminam, ele fica, afinal, a brincar com os
miúdos. A velha inglesa que o adora despede-se encantada até ao ano que virá. O
velho entrega-lhe a sua morada sem que a mulher dê conta. O Senhor Hulot
continuará sozinho.
Jacques Tati e a sua sombra, o senhor Hulot, mesmo em férias, serão sempre os patronos
do sorriso delicado, do silêncio inteligente, da solidão elegante.
jef,
julho 2019
«As
Férias do Senhor Hulot» (Les Vacances de Monsieur Hulot) de Jacques Tati. Com Jacques
Tati, Nathalie Pascaud, Michele Rolla, Valentine Camax, Raymon Carl, Lucien
Fregis; Louis Perrault. Som e Tema musical: Alain Romans. Fotografia: Jacques
Mercanton & Jean Mouselle; Argumento: Jacques Tati & Henri Marquet; Produção:
Fred Orain. França, 1952, P/B, 84 min.
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