sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Sobre o filme «Lilith e o Destino» de Robert Rossen, 1964

 

























De modo abrupto, a carreira de Robert Rossen termina com este filme maravilhoso. Tinha 56 anos. Uma espécie de elegia ou epitáfio ao amor, à pulsão sexual e à luta de classes. Como se a arquitectura de Antonioni se casasse com os olhares mudos e expressionistas de Eisenstein, e as bandas sonoras de Kubrik tivessem reflexo na composição psicanalítica de Buñuel ou na estrutura social de Nicholas Ray.

Nada aqui nos é dito directamente. Excepto talvez o «I love you», sintomático, dramático, a chama ígnea da tragédia. Ou talvez não. Também, no final, quando Vincent (Warren Beatty) se aproxima e (nos) pede ajuda.

E se nada é referido textualmente, tudo está visto nos planos agressivamente fechados sobre o modo de amar, também sobre a pele, os olhos, os lábios de Lilith, (Jean Seberg) essa vestal louca e infantil, artista plástica que desenha com folhas e terra, dócil mas furiosa por desejar distribuir a sua dádiva amorosa, quase fogo divino, por todos igualmente. Na idílica clínica psiquiátrica para ricos, no piquenique sob a chuvada, à beira do tormentoso curso de água, no centro da feira mediável e do torneio equestre tudo fica por ouvir e os sons sobrepõe-se invariavelmente aos segredos disfónicos de Lilith. Apenas as crianças a ouvem. E a surpreendente música de Kenyon Hopkins que sobrepõem, de modo esquizofrénico, as variações atónicas do jazz à música da banda, à valsa ou à melodia de embalar tocada por Lilith. O médico, director da clínica, expõe a estrutura assimétrica da teia de uma aranha apanhada pela esquizofrenia. Como se explicasse o valor estético do trabalho do aracnídeo mas também a entrega de Lilith ou a orfandade de mãe e da guerra de Vincent. Naquela clínica, ele encontra tudo o que a vida lhe recusou. Mostra mas não lho entrega. Daí o seu amor, daí a sua revolta.

Um filme de revolta analítica e da maior profundidade artística tomado pela beleza de dois grandes actores: Jean Seberg e Warren Betty.

 

jef, novembro 2020

«Lilith e o Destino» (Lilith) de Robert Rossen. Com Warren Beatty, Jean Seberg, Peter Fonda, Kim Hunter, Anne Meacham, Jessica Walter, Gene Hackman, James Patterson, Robert Reilly. Argumento: Robert Alan Aurthur e Robert Rossen, segundo o romance de J.R. Salamanca. Produção: Robert Rossen. Fotografia: Eugen Schüfftan. Decores: Gene Callahan. Guarda-roupa: Ruth Morley. Música: Kenyon Hopkins. EUA, 1964, P/B, 114 min.

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