De modo abrupto, a carreira de Robert Rossen termina com este
filme maravilhoso. Tinha 56 anos. Uma espécie de elegia ou epitáfio ao amor, à
pulsão sexual e à luta de classes. Como se a arquitectura de Antonioni se
casasse com os olhares mudos e expressionistas de Eisenstein, e as bandas sonoras
de Kubrik tivessem reflexo na composição psicanalítica de Buñuel ou na
estrutura social de Nicholas Ray.
Nada aqui nos é dito directamente. Excepto talvez o «I love
you», sintomático, dramático, a chama ígnea da tragédia. Ou talvez não. Também,
no final, quando Vincent (Warren Beatty) se aproxima e (nos) pede ajuda.
E se nada é referido textualmente, tudo está visto nos planos
agressivamente fechados sobre o modo de amar, também sobre a pele, os olhos, os
lábios de Lilith, (Jean Seberg) essa
vestal louca e infantil, artista plástica que desenha com folhas e terra,
dócil mas furiosa por desejar distribuir a sua dádiva amorosa, quase fogo
divino, por todos igualmente. Na idílica clínica psiquiátrica para ricos, no piquenique
sob a chuvada, à beira do tormentoso curso de água, no centro da feira mediável
e do torneio equestre tudo fica por ouvir e os sons sobrepõe-se invariavelmente
aos segredos disfónicos de Lilith. Apenas as crianças a ouvem. E a surpreendente
música de Kenyon Hopkins que sobrepõem, de modo esquizofrénico, as variações atónicas
do jazz à música da banda, à valsa ou à melodia de embalar tocada por Lilith. O
médico, director da clínica, expõe a estrutura assimétrica da teia de uma
aranha apanhada pela esquizofrenia. Como se explicasse o valor estético do trabalho
do aracnídeo mas também a entrega de Lilith ou a orfandade de mãe e da guerra
de Vincent. Naquela clínica, ele encontra tudo o que a vida lhe recusou.
Mostra mas não lho entrega. Daí o seu amor, daí a sua revolta.
Um filme de revolta analítica e da maior profundidade artística tomado
pela beleza de dois grandes actores: Jean Seberg e Warren Betty.
jef, novembro 2020
«Lilith e o Destino» (Lilith) de Robert Rossen. Com Warren
Beatty, Jean Seberg, Peter Fonda, Kim Hunter, Anne Meacham, Jessica Walter, Gene
Hackman, James Patterson, Robert Reilly. Argumento: Robert Alan Aurthur e Robert
Rossen, segundo o romance de J.R. Salamanca. Produção: Robert Rossen. Fotografia: Eugen
Schüfftan. Decores: Gene Callahan. Guarda-roupa: Ruth Morley. Música: Kenyon
Hopkins. EUA, 1964, P/B, 114 min.
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