segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Sobre o livro «Século Passado» de Jorge Silva Melo, Cotovia, 2007


 









O passado e o presente.

Aqui se conta a sentida história de um século que é, dramaticamente, passado. E se é bem verdade a afirmação de José Pacheco Pereira sobre o livro: “O dilema da minha geração é que, ao mesmo tempo que se queria saber tudo (e durante uns anos poder tudo), não se queria perder a inocência” (Ípsilon, 11 de Maio de 2007), também é certo que a nostalgia (talvez antes melancolia) que perpassa todo o «Século Passado» está cuidadosamente encenada, diria dramatizada para levar o espectador-leitor a uma percepção emotiva muito precisa. E, nisso, a mestria de Jorge Silva Melo não é de todo inocente. Não é por acaso que este conjunto de artigos, notas, apresentações críticas e crónicas de jornal não se apresentam de forma redutoramente cronológica, nem sequer afloram a obra contemporânea vivida pelo autor, nem teatros ou amigos presentes, como está ressalvado em nota final. É notório que a pretensão é a de construir a história de um mundo de sonho, de utópica ilusão, de ilusória esperança que só no passado ficcionado pela memória e pela arte dramática é possível. Assim se exploram, em capítulos expressamente não diários, esse Ser Cinema, esse Ser Teatro, esse Ser Arte, lançados num país sem liberdade mas deliciosamente espicaçado pela juvenil maquinação omnipotente, seres ancorados ainda na ferocidade da escrita e na intransigência da imagem cinematográfica. Mas também, mais tarde, esquecidos pelo mercado de uma certa “liberdade económica”. Este é um livro sobre a morte e a vida, que se deve ler como romance que é, da primeira à última página, seguindo os passos de personagens como João Bénard da Costa, João César Monteiro, Fiama Hasse Pais Brandão, Mário Dionísio, Glicínia Quartim ou Sofia Areal, deambulando numa Lisboa de praças, cafés e jardins públicos e na intimidade que estes sempre fabricam. Um espaço público e privado onde ainda encontramos Jacques Tati, John Ford, Howard Hawks ou Alfred Hitchcock em sublimes retratos de maioridade crítica. Um livro sem medo de ser emocionalmente adjectivador, mordaz e, porque não, fúnebre, que reconhece na esperança maior, por mais ilusória que seja, força digna de mover montanhas. Uma montanha mágica, futura, que até pode acontecer em Montemor-o-Velho enquanto o sol desce sobre os plácidos campos do Mondego…

E deste modo, o pano desce no fim do primeiro acto.

 

jef, setembro 2007

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