Ora aqui está uma oportunidade perdida.
Todos sabemos a elevadíssima qualidade do cinema iraniano,
tanto do ponto de vista estético-ético como do político-social. Nem será
necessário recordar a absoluta obra-prima do cinema mundial que é «Close-Up» de
Abas Kiarostami (1990). Por isso, aguardamos o melhor.
Agora, é uma comédia louca e colorida sobre a actividade de
um assassino que tem por objectivo decapitar tudo quanto é cineasta iraniano,
gravando-lhes na testa a palavra «pig». Porém, Hasan Kasmai (Hasan Majuni),
amante dos AC/DC e violento jogador de ténis, realizador proscrito pelas
autoridades oficiais, sem produtor e impedido de realizar as suas obras de
culto, chora no colo de sua mãe e pergunta por que é que o assassino não se
aproxima dele. Sim, dele, que devia ser o primeiro a ser assassinado e que,
agora, apenas lhe é permitido realizar filmes publicitários sobre insecticida
para baratas. Tudo parecia movimentar-se num ambiente auspicioso de louca luta
social e familiar, um pouco à Woody Allen, um pouco à Pedro Almodóvar, com um
cineasta deprimido e mulherengo que fala pelos cotovelos de modo lânguido, e
magnificamente interpretado por Hasan Majuni, a fazer lembrar a displicência
estilística de Miguel Lobo Antunes em «Technoboss» (João Nicolau, 2019) mas a
movimentar-se em cenários psicanalíticos e fellinianos e a tender para a
justiça sanguinária à Tarantino.
Tudo corria bem até aparecer o verdadeiro assassino com cara
de suíno e versículos do Corão na voz! E é aí que a porca torce o rabo e perde
o ritmo, deixando-nos abananados, vendo a charla política sem explodir em
definitivo, antes esvaziando-se de sentido catártico, afinal apaziguando as
hostilidades, esquecendo o ápice fulcral e castigador da sociedade moralista,
coisa que é sempre a pedra de toque na melhor comédia social.
Contudo, a caracterização das personagens, os actores, as
cores e o movimento de câmara são dignos de boa nota.
jef, novembro 2020
«Pig» de Mani Haghighi. Com Hasan Majuni, Leila Hatami, Leili Rashidi, Parinaz Izadyar, Saber Abar, Mahnaz Afshar, Siamak Ansari, Vishka Asayesh. Argumento: Mani Haghighi. Música: Peyman Yazdanian. Fotografia: Mahmoud Kalari. Montagem: Meysam Molaei. Direcção artística: Amir Hossein Ghodsi. Guarda-roupa: Negar Nemati. Produção: Mani Haghighi. Irão, 2018, Cores, 104 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário