«A maior parte das grandes batalhas
ocorre nos vincos dos mapas topográficos.»
Resumidamente, o comentário de Robert Bresson retirado de uma
entrevista filmada e que serve de epígrafe a este livro inevitável, resume-o de
modo paradigmático.
Na guerra, na grande História ou nas “pequenas histórias que
guardamos precariamente mas que compõem as nossas vidas”, a maior parte das
virtudes e tragédias ficam abandonadas pela leitura leviana ou nem são lidas
por se esconderem nos locais mais inacessíveis da memória.
A Segunda Grande Guerra destruiu a Europa reedificando-a
depois segundo um alfabeto de violência e esquecimento que perdurou até aos
nossos dias e que foi mal negociado desde o armistício, em Maio de 1945. Este
livro conta ainda a história pungente e secreta de Londres, sobrevivente às
suas próprias custas, dessa lenta e longa agonia a que se chama o “sarar das feridas”.
Nada sobre o livro poderá ser dito sem destruir o seu extraordinário
enigma literário (contado de forma única!) sobre tal dédalo de mentiras,
segredos e enganos, resistência e organização subterrânea, sobrevivência,
abandono, amor e luto. Sobretudo uma história de silêncios insuportavelmente
ditos e insuportavelmente ouvidos.
Londres sai escalpelizada como a rã dissecada em vida que
fica a pulsar entre alfinetes para que se lhe estudem, de modo radical, as
veias e as artérias. Aqui ficam em vivissecção pela memória geográfica e
juvenil de Nathaniel os vasos de uma cidade percorrida por afluentes, canais
artificiais e eclusas de um Tamisa que sempre reconheceu as viagens
clandestinas de meliantes, contrabandistas e resistentes.
Este livro, também ele construído psicanaliticamente por
meandros e eclusas, tem o condão de mostrar sem piedade, mas com uma imensa
ternura, a quantidade de falsos-verdadeiros órfãos deixados pela guerra atrás
de uma muralha de solidão. A intimidade triste desses becos sem saída e enraizada
na vitória dos aliados e no desentendimento e na ambição dos vencedores.
Acima de tudo, «A Luz da Guerra» descreve um povo combatente
mas fleumático, humorístico e solidário, organizado, tradicionalista e
intransigentemente jardineiro.
Um livro obrigatório.
jef, novembro 2020
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