Humano
e natural.
Eis
a história fabulosa da Ala dos Cavalheiros de Ekeby. Um grupo de homens nem
muito maus nem muito bons, ingénuos velhacos, joviais decrépitos, aventureiros
comilões, românticos acirrados, dançarinos inveterados à frente dos quais está
o indescritível Gösta Berling, o mais apaixonado e inconsciente de todos, aliás
um pároco bêbado e, por tal, proscrito. Todos eles sabem tocar um instrumento
musical, mesmo que o façam no teclado virtual. Caso contrário, não seriam
cavalheiros. Todos estão prontos a brincar, a amar, mas também a lutar contra
inimigos infames, entre os quais alguns dos mais ricos da região: o diabólico
industrial Sintram, o inteiriçado conde Henrik Dohna, o possessivo Melchior
Sinclair ou a poderosa mineira Margareta Samzelius que fizera desaparecer no
ódio a doce Margareta Celsing. Tudo isto está escrito nas páginas iniciais do
livro. As restantes dão corpo ao mais puro encanto geográfico da literatura de
Selma Lagerlöf. Aliás, a exímia contadora de lendas e narrativas sempre assumiu
a Suécia como musa suprema inspiradora para uma escrita que veio renovar o
espírito naturalista do romantismo. Nela a paisagem sueca é rainha mas não
apenas como elemento cénico para conjecturas mais ou menos depressivas. A
grande província de Värmland verga-se ao peso orográfico das montanhas e
ravinas ou ao sinuoso traçado do lago Löven, que constitui o seu coração. Mas a
diferença entre estas florestas geladas ou os rápidos deste rio e uma certa
literatura também geográfica, porém mais gótica e anglo-saxónica, recheada de
orgues dementes e castigadores, é total. Aqui, a paisagem é o elemento central
da narrativa, surgindo como força motriz das transformações culturais do homem
mas, simultaneamente, identifica-se como matéria-prima pronta a ser por este
modificada. A natureza é tão humana quanto as canções, os risos, as siderurgias
ou a agricultura de subsistência. O urso, no seu monte Gurlita, é tão
fundamental quanto o pároco e a sua prelecção. A superior candura de Selma
Lagerlöf apresenta o homem na sua superior unidade, ora acusando alegremente o
seu pecado, ora amnistiando-o com severidade. A cultura e a paisagem da Suécia
rendem-se apaixonadamente perante a sua narrativa. Deste modo, a escritora
troca a sua pátria pela síntese de um universo, íntegro e pacificado, regido
pelas lendárias armas da Natureza, do Homem e de Deus. Em suma, «A Saga de
Gösta Berling» é um dos mais belos livros publicados no ano de 2006 em
Portugal.
jef, março 2007
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