«Esplendor» parte de uma premissa tão simples quanto radical.
A luz confunde e tolda os restantes sentidos ou, para quem não vê, a luz tem de
ser traduzida pela palavra certa. Qual será, então, a palavra correcta para transcrever
a luz branca entre tantas a escolher entre os dicionários?
O filme tem um lado comovente inexcedível. A jovem Misako (Ayame
Misaki) vê e trabalha numa empresa que promove áudio-filmes para invisuais.
Como consultores técnicos a empresa tem vários cegos ou ambliopes que vão corrigindo
o trabalho. Entre eles está o famoso fotógrafo Nakamori (Masatoshi Nagase) que está prestes a perder
a visão e a memória visual de uma vida artística. Misako perdeu o pai.
O modo como o espectador acompanha o trabalho duro de
procurar a palavra certa sem obscurecer um filme que não vai ser visto mas sim ouvido,
é extraordinário e entusiasmante. Contudo, existe neste filme, aliás como nos
anteriores da realizadora, uma pecha de que ela não se tem livrado. Enquanto Naomi
Kawase procura desenvolver a narrativa sob a égide clássica de Yasujiro Ozu ou Kenji
Mizoguchi (o que é bom), o espectador nunca deixa de sentir que, por fim, ela começa
a ter comiseração pelos próprios dos personagens (o que é mau).
De qualquer modo, «Esplendor» é um belo filme, ecuménico, terno
e tolerante, que, quase no final, pisca o olho a dois filmes do meu coração. «A
Flauta Mágica» de Ingmar Bergman (1975) e «Shirin» de Abbas Kiarostami (2008).
jef, junho 2018
«Esplendor» (Hikari) de Naomi Kawase. Com Masatoshi Nagase,
Ayame Misaki, Tatsuya Fuji. França / Japão, 2017, Cores, 101 min.
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