quarta-feira, 20 de junho de 2018

Sobre o filme «Esplendor» de Naomi Kawase, 2017
















«Esplendor» parte de uma premissa tão simples quanto radical. A luz confunde e tolda os restantes sentidos ou, para quem não vê, a luz tem de ser traduzida pela palavra certa. Qual será, então, a palavra correcta para transcrever a luz branca entre tantas a escolher entre os dicionários?

O filme tem um lado comovente inexcedível. A jovem Misako (Ayame Misaki) vê e trabalha numa empresa que promove áudio-filmes para invisuais. Como consultores técnicos a empresa tem vários cegos ou ambliopes que vão corrigindo o trabalho. Entre eles está o famoso fotógrafo Nakamori (Masatoshi Nagase) que está prestes a perder a visão e a memória visual de uma vida artística. Misako perdeu o pai.

O modo como o espectador acompanha o trabalho duro de procurar a palavra certa sem obscurecer um filme que não vai ser visto mas sim ouvido, é extraordinário e entusiasmante. Contudo, existe neste filme, aliás como nos anteriores da realizadora, uma pecha de que ela não se tem livrado. Enquanto Naomi Kawase procura desenvolver a narrativa sob a égide clássica de Yasujiro Ozu ou Kenji Mizoguchi (o que é bom), o espectador nunca deixa de sentir que, por fim, ela começa a ter comiseração pelos próprios dos personagens (o que é mau).

De qualquer modo, «Esplendor» é um belo filme, ecuménico, terno e tolerante, que, quase no final, pisca o olho a dois filmes do meu coração. «A Flauta Mágica» de Ingmar Bergman (1975) e «Shirin» de Abbas Kiarostami (2008).

jef, junho 2018

«Esplendor» (Hikari) de Naomi Kawase. Com Masatoshi Nagase, Ayame Misaki, Tatsuya Fuji. França / Japão, 2017, Cores, 101 min.

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