quinta-feira, 28 de junho de 2018

Sobre o livro «Gente Séria» de Hugo Mezena. Planeta, 2018














Se eu quisesse, diria que o óptimo livro de Hugo Mezena, «Gente Séria», se inscreve nesse modo anti-neo-realista da escrita sincopada, quase asceta, de Filomena Marona Beja, assim poupa vocábulos, inscreve a paisagem e fractura a narrativa; cruzado pelo lado íntimo com que Lídia Jorge expõe as feridas impostas pela sociedade ao indivíduo.

Comparei, limitei. Logo sou um mau crítico. Peço desculpa a Filomena Marona Beja e Lídia Jorge. Principalmente, penalizo-me perante Hugo Mezena, autor de um romance, primeiro e de fôlego, em que cada página conta, de rajada, uma micro-história da vida de um rapaz observador com um avô Jorge patriarcal que escarra para o pátio, um pai maternal, um tio Alexandre que se insinua quase como personagem reflexo marcando o percurso narrativo da história que se passa entre os anos de 1987, 1991 e 1995.

Hugo Mezena não crítica ostensivamente a vida da comunidade de Benomilde, lá para o Norte, com professores primários definitivos, padres à antiga, autarcas à moderna. O autor gosta, antes, de contar uma história trágica e cómica, cheia de pormenores requintados e um humor fino e social que começa logo pelo título. «As pessoas com dinheiro fazem isso: olham como lhes apetece. Mas também para onde lhes apetece e durante o tempo que lhes apetece» e, mais à frente, vendo pelo outro lado «Uma pessoa só vê a sua própria figura quando já não está a tempo de não se envergonhar.» É obra!

Um livro de consciência e vigor que toca o lado ficcional de um tal «novo» neo-realismo que muito necessitamos para compreendermos este difícil mundo, actual e real.

jef, junho 2018

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