Se eu quisesse, diria que o óptimo livro de Hugo Mezena, «Gente
Séria», se inscreve nesse modo anti-neo-realista da escrita sincopada, quase
asceta, de Filomena Marona Beja, assim poupa vocábulos, inscreve a paisagem e fractura
a narrativa; cruzado pelo lado íntimo com que Lídia Jorge expõe as feridas
impostas pela sociedade ao indivíduo.
Comparei, limitei. Logo sou um mau crítico. Peço desculpa a
Filomena Marona Beja e Lídia Jorge. Principalmente, penalizo-me perante Hugo
Mezena, autor de um romance, primeiro e de fôlego, em que cada página conta, de
rajada, uma micro-história da vida de um rapaz observador com um avô Jorge
patriarcal que escarra para o pátio, um pai maternal, um tio Alexandre que se
insinua quase como personagem reflexo marcando o percurso narrativo da história
que se passa entre os anos de 1987, 1991 e 1995.
Hugo Mezena não crítica ostensivamente a vida da comunidade
de Benomilde, lá para o Norte, com professores primários definitivos, padres à
antiga, autarcas à moderna. O autor gosta, antes, de contar uma história
trágica e cómica, cheia de pormenores requintados e um humor fino e social que
começa logo pelo título. «As pessoas com dinheiro fazem isso: olham como lhes
apetece. Mas também para onde lhes apetece e durante o tempo que lhes apetece»
e, mais à frente, vendo pelo outro lado «Uma pessoa só vê a sua própria figura
quando já não está a tempo de não se envergonhar.» É obra!
Um livro de consciência e vigor que toca o lado
ficcional de um tal «novo» neo-realismo que muito necessitamos para compreendermos
este difícil mundo, actual e real.
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