George Simenon tem essa característica distintiva de deixar a
dúvida no romance policial. Não tanto na mão de quem pratica o acto mas muito
mais no sistemático existencialismo de que sustém o crime. Apesar do juiz
soberano, o crime tem sempre dois lados humanos pelo qual se pode analisar a
narrativa.
Mathieu Amalric não consegue fazer dois filmes iguais e
agrada-lhe sobremaneira colocar sobre o espectador a questão da culpa e da sua
determinação. Ao longo do inquérito policial e da análise judiciária, os constantes
flash-backs (ou analepses, como o nosso amigo Mário de Carvalho gostaria de
referir) vêm dar a tonalidade da paixão entre Julien Gahyde (Mathieu Amalric) e
Esther Despierre (Stéphanie Cléau). Uma paixão escondida num lugar ermo e
restrito onde será difícil esconder alguma coisa. Uma paixão, principalmente.
Tão ao gosto de Simenon, Mathieu Amalric consegue realizar um
filme policial onde o amor, o rancor, a aproximação e a fuga, são veladas pela
luz azul, que tanto tem de frio calculismo como de terno aconchego. Uma luz
azul que as partituras de Grégoire Hetzel ou Bach deixam a marca angustiante, quase
nostálgica, dos amantes unidos na separação. Definitiva.
jef, junho 2018
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