O tempo da crise não é o nosso tempo. É um tempo desumano,
doente, podre, onde as palavras custam muito caro, por isso ficam por dizer. Na
família, cada um passa a usar o tempo a seu jeito, todos começam a andar e a
pensar em ritmos diversos. O tempo altera-se. Os ponteiros não batem certo
entre os relógios de uns e de outros. O pai (João Pedro Vaz) está desempregado,
a mãe (Beatriz Batarda) tem duplo emprego, a filha (Alice Albergaria Borges)
entra num estado de exigência, rejeição e instabilidade. Todos estão cansados.
Mas, apesar do tempo de crise não se ajustar ao nosso tempo
biológico e emocional, Teresa Villaverde vai filmá-lo de modo muito
interessante. O espectador deve dar-lhe razão e não olhar para as horas. É o
tempo desencontrado mesmo assim aglutinado pela ordem da compreensão e dos
afectos.
Um tempo realizado em espaços nem sempre lógicos, dentro de
uma luz que justifica a espera e a incoerência de circunstâncias implacáveis.
Uma sala de espera de um estado letárgico e enervado onde as personagens entram
para cumprirem o sofrimento, e expiação, depois a elevação. Um código cristão
onde os corpos reclinados na penumbra são lavados, os pés em sangue tratados, a
toalha de Verónica marcada.
Qualquer coisa entre Daniel Blaufuks e Michelangelo
Antonioni.
Teresa Villaverde transforma a crise e o desencontro em
reflexão estética e aproximação, na observância de um silêncio próximo da
veneração. A cena final é simplesmente magnífica.
jef, abril 2018
«Colo» de Teresa Villaverde. Com João Pedro Vaz, Beatriz
Batarda, Alice Albergaria Borges, Tomás Gomes, Dinis Gomes, Ricardo Aibéo, Rita
Blanco, Simone de Oliveira e Clara Jost. Fotografia: Acácio de Almeida; Som:
Vasco Pimentel. Portugal / França, 2017, Cores, 136 min.
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