sexta-feira, 6 de abril de 2018

Sobre o filme «Colo» de Teresa Villaverde, 2017

















O tempo da crise não é o nosso tempo. É um tempo desumano, doente, podre, onde as palavras custam muito caro, por isso ficam por dizer. Na família, cada um passa a usar o tempo a seu jeito, todos começam a andar e a pensar em ritmos diversos. O tempo altera-se. Os ponteiros não batem certo entre os relógios de uns e de outros. O pai (João Pedro Vaz) está desempregado, a mãe (Beatriz Batarda) tem duplo emprego, a filha (Alice Albergaria Borges) entra num estado de exigência, rejeição e instabilidade. Todos estão cansados.

Mas, apesar do tempo de crise não se ajustar ao nosso tempo biológico e emocional, Teresa Villaverde vai filmá-lo de modo muito interessante. O espectador deve dar-lhe razão e não olhar para as horas. É o tempo desencontrado mesmo assim aglutinado pela ordem da compreensão e dos afectos.

Um tempo realizado em espaços nem sempre lógicos, dentro de uma luz que justifica a espera e a incoerência de circunstâncias implacáveis. Uma sala de espera de um estado letárgico e enervado onde as personagens entram para cumprirem o sofrimento, e expiação, depois a elevação. Um código cristão onde os corpos reclinados na penumbra são lavados, os pés em sangue tratados, a toalha de Verónica marcada.

Qualquer coisa entre Daniel Blaufuks e Michelangelo Antonioni.

Teresa Villaverde transforma a crise e o desencontro em reflexão estética e aproximação, na observância de um silêncio próximo da veneração. A cena final é simplesmente magnífica.

  jef, abril 2018


«Colo» de Teresa Villaverde. Com João Pedro Vaz, Beatriz Batarda, Alice Albergaria Borges, Tomás Gomes, Dinis Gomes, Ricardo Aibéo, Rita Blanco, Simone de Oliveira e Clara Jost. Fotografia: Acácio de Almeida; Som: Vasco Pimentel. Portugal / França, 2017, Cores, 136 min.

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