Reconhecemos o perfeccionismo estético que o realizador Wes
Anderson tem vindo a aprofundar, criando algumas das fábulas visual e
musicalmente mais inesquecíveis dos últimos anos («Moonrise Kingdom», 2012 ou
«Grand Budapest Hotel», 2014).
Podemos ou não aderir integralmente ao seu estilo minucioso e
expressivo, aos decores em perspectiva, quantas vezes em miniaturama. Podemos
estranhar os temas sempre a abraçar o afecto social ou a consciência
histórico-política, mesmo que a fantasia delirante nos arraste para uma espécie
de transe onírico à «Feiticeiro de Oz». Aguardamos o desfile de dezenas e
dezenas de actores tocados pela graça juvenil, pela transformação circense,
pelo à-vontade e entrega dramática de quem está a representar entre amigos, em
frente à câmara de um amigo, Wes Anderson. Guardamos o sorriso benévolo que
provoca e a banda sonora que nos leva a uma grande sala para sinfonias
operáticas.
Temos tudo isto em «Ilha dos Cães» e muito, muito, muito
mais. Por isso, aviso. Tome um café, preste muita atenção a tudo e, talvez,
reserve uma boa dose de paciência.
No vago mundo nipónico de Megasaki, um tirano deseja
manipular as eleições para, ganhando, expulsar a sobrepopulação canina que
ameaça epidemicamente os humanos, atirando os cães para uma distante lixeira
onde ficarão ao abandono. Até que um jovem, protegido do tirano, resolve voar
até lá para resgatar o seu adorado amigo e protector cão. A partir daí, ou
melhor, para chegar ali, o número de peripécias multiplica-se, os flashbacks
rodopiam, as personagens ganham asas de cenário para cenário (e que belos
alguns deles são!), a democracia vai sendo ameaçada, os oposicionistas
aniquilados, a população estudantil mobilizada por uma jovem ocidental, os cães
entram em guerra com os congéneres mecânicos, a tradução simultânea
sobrepõe-se, a cartografia das ilhas desdobra-se, a sincopada percussão
oriental agudiza-se, os despojos venenosos de uma sociedade de desperdício
amontoam-se, a luta acelera… Tudo em apenas 101 minutos!
Saí do cinema um tanto cansado com tamanha carga estética,
intenção distópica, parafernália de marionetas. Tamanho colorido!
Mas talvez fosse só do sono…
jef, abril 2018
«Ilha dos Cães» (Isle of Dogs) de Wes Anderson. Com as vozes
de Bryan Cranston, Koyu Rankin, Edward Norton, Bill Murray, Greta Gerwig,
Frances McDormand, Scarlett Johansson, Harvey Keitel, Tilda Swinton, Liev
Schreiber, Jeff Goldblum, Yoko Ono. Música: Alexandre Desplat. Animação. EUA,
2018, Cores, 101 min.
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