Este livro é sobre a contemplação da descrença, a narrativa
da desesperança. E a sua maior ironia centra-se no termo exacto do seu título,
referência ao poema de Mário Cesariny que é citado em epígrafe, páginas adiante.
Talvez o humor aí se conclua.
A ‘burguesia’ de Cesariny é uma burguesia pueril, insciente
de si própria, contente, contente por ler sem saber ler. A ‘burguesia’ de Mário
de Carvalho não será ainda a burguesia de Marx ou Engels, a simples burguesia
capitalista mascarada de cartola e charuto, militarizada, com nariz de porco, caricatura
«degenerada» de George Grosz. Nem a pequena burguesia alheada de consciência. É
mais um estado triste e complexo dos que, com dote ou herança à vista, reconhecem no
tempo, inexorável e fatídico, o fim de uma linha que se desejou de algum
estatuto mas que foi deslizando para o desalento, para a solidão.
Onze contos onde perpassa a acrimónia velada contra o
futuro, esse infiel tempo verbal que mostra sistematicamente a traição
insuspeita enterrada no passado. E se não a desvenda, esconde no desinteresse humilhante, quase nonchalant, de um jantar entre negócios e amigos. São amigos
reencontrados que afinal nada mais podem contar uns aos outros; antigos
camaradas que envelheceram; velhos lobos solitários caídos em descrédito
bancário ou na suspeita hereditária da descendência. Aqui o futuro esconde-se
no vão dos pequenos momentos-história da tal caída ‘burguesia’.
Talvez um certo Gustavo Miguel, realizador de cinema,
cirandando nas margens da Lagoa Moura, em «A Sala Magenta» (2008), ou o amante
da «Ronda das Mil Belas em Frol» (2016), lhes dêem parentalidade.
Porém, as histórias deste livro surgem vivas e prontas a
renascer na belíssima estrutura da adjectivação e no alinhavo descritivo tão
pormenorizado quanto é exigido pela suspensão do tempo. Precisamente, é no quase maquiavélico manuseio simples e complexo, vanguardista ou oitocentista,
de palavras e da sua sintaxe que, afinal, reside a sempre futurista escrita de Mário
de Carvalho.
jef, abril 2018
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