quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Sobre o filme «A Doce Vida» de Federico Fellini, 1960










Em 1960 estreavam em Itália «A Doce Vida» de Federico Fellini, «Rocco e os seus Irmãos» de Luchino Visconti e «A Aventura» de Michelangelo Antonioni. E o cinema nunca mais foi igual. 

Ao rever agora, em cópia e som restaurados, grande ecrã, sala cheia e respeitosa, surge-me a ideia de que principalmente Fellini reinventou a tristeza ao desencantar-lhe a sua profundidade nostálgica, onde o presente se dá mal com o passado e evita, a todo o custo, olhar em frente. A noite é longa, o dia aparece repentinamente, acusador, fazendo sobrevoar a figura brilhante de Cristo acima dos escombros construídos da cidade. Marcello Rubini (M. Mastoianni) não consegue ouvir o que dizem as jovens que no terraço apanham banhos de sol, pede-lhes por sinais os números de telefone mas elas recusam.

Fellini vai contado histórias sobre figuras desenraizadas, apesar de tudo imparáveis, que correm e percorrem episódios e lapsos de uma sociedade burguesa que deseja esquecer a guerra e o fascismo mas que vai mergulhar na Fontana di Trevi para esquecer as paredes decrépitas de uma Roma clássica trucidada pelo império do catolicismo. 

Todas essas personagens são pasto dessa infelicidade, dessa indefinida e infinita angústia melancólica: a ‘suicida’ Emma (Yvonne Furneaux), a ‘desapaixonada’ Maddalena (Anouk Aimée), a ‘deslumbrada’ Sylvia (Anita Ekberg), o ‘paternal’ (Alain Cuny), até o pai de Marcello (Annibale Ninchi), o palhaço Polidor, Nadia (Nadia Gray), Fanny (Magali Noel), Nico, o pequeno gatinho branco, a raia monstruosa e fétida que é trazida nas redes até à praia, no final da festa, entre o ensurdecedor barulho do mar. Do outro lado do braço de mar, surge a jovem empregada de mesa de Perugia (Valeria Ciangottini) que lhe suplica em pura inocência. Mas o envelhecido Marcello não a consegue ouvir e volta para trás. E a melancolia do futuro perdido para sempre fica a vibrar no interior do espectador… tanto quanto essas outras cenas finais, também inesquecíveis, de «A Morte em Veneza» de Luchino Visconti (1971) ou de «A Noite» de Michalangelo Antonioni (1971).

Ah, beleza tamanha!


jef, agosto 2020


«A Doce Vida» (La Dolce Vita) de Federico Fellini. Com Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée, Yvonne Furneaux, Walter Santesso, Adriana Moneto, Lex Baxter, Alan Dijon, Alain Cuny, Valeria Giangottini, Magali Noel, Nadia Gray, Annibale Ninchi, Polidor, Nico, Valeria Ciangottini. Fotografia: Otello Martelli. Música: Nino Rota. Produção: Giuseppe Amato, Angelo Rizzoli. Itália, 1960, P/B, 178 min.

 


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