A
revolução na arte realista
Esta
edição tem tudo para ser especial. Primeiro, tem a tradução do russo para
língua portuguesa de Nina Guerra e Filipe Guerra. Segundo, pela primeira vez,
apresenta-se em Portugal uma colectânea de textos do escritor e dramaturgo
Daniil Harms (ou Daniil Kharms, segundo a nomenclatura inglesa), um dos
fundadores na U.R.S.S. da OBERIU, a Associação da Arte Real. Daniil Harms
subscreveu o manifesto dessa associação, proclamando, em 1927, uma nova leitura
para a “arte revolucionária de esquerda”. Abstraindo os vocábulos (e todo o
objecto artístico) do seu normal enquadramento sintáctico, aqueles retomariam,
na percepção dos receptores, o seu conteúdo semântico original, ou seja,
transformavam-se em arte real e, portanto, revolucionária. Como é óbvio, mais
do que as palavras, as sessões de leitura ou as apresentações dramáticas deste
conjunto de criadores, e de Harms em particular, tornaram-se mais
revolucionárias do que a linha assumida, na altura, pela própria Revolução
Russa. O realismo destes textos que, hoje em dia, poderá ser tomado por
surrealismo, torna-se progressivamente mais incómodo levando à perseguição e
morte da grande parte dos seus autores pelo aparelho político soviético. Em
1941, Harms volta a ser preso, após o tormento do desemprego, da fome e da
incompreensão artística. No ano seguinte, a sua mulher é informada da sua
morte. No conto “A Velha”, que muito justamente dá título ao livro, cruza-se a
realidade trágica existencialista do mundo de Dostoiévski com a devota "surrealidade" futurista de Nikolai Gógol, condensando o espírito de uma Europa
que, hoje ainda, se vê dilacerada entre o génio e a iniquidade. Por último, a
presente edição torna-se mais importante pela sua organização precisa e
sintética. Não condicionando a leitura da obra pelas circunstâncias conturbadas
da vida do seu autor, não deixa de a enquadrar historicamente com o conteúdo
dos seus anexos e introdução.
jef,
abril 2008
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