Tal como Umberto Eco ou Roland Barthes, Italo Calvino tem um
fascínio irresistível pelos símbolos que estruturam o interior das palavras,
esse infinito e genial sistema inventado pela humanidade para se compreender (e
depois se “incompreender”). Mais do que todos os outros animais, o homem vive
através de símbolos, códigos e sinais, onde o próprio se encontra (e depois se
perde). Para Calvino, a ficção é um manancial inesgotável de caminhos e
estações que explicam o inexplicável. Sobretudo aqui, as imagens desconexas
expressas nas cartas desordenadas de Tarot.
Estes dois conjuntos de textos: «O Castelo dos Destinos
Cruzados» e «A Taberna dos Destinos Cruzados» situam-se numa clareira dentro de
uma floresta inóspita e fantasmagórica, onde um castelo ou uma taberna se
confundem entre si, e os senhores ou estalajadeiros, com os seus modos,
confundem peregrinos e comensais.
Ninguém consegue falar. Apenas se podem exprinmir pela sequência
das cartas que têm ao dispor. No Castelo, usa-se o tarot “Visconti”,
quatrocentista, de finas silhuetas aristocráticas. Na Taberna, o tarot de
Marselha, mais recente e popular, de figuras mais toscas mas não menos
motivadoras. Aqui, os gestos são uma balburdia, as imagens interrompem-se,
baralham-se, roubam-se cartas à história do outro. Ali, as histórias são
finamente recortadas e recordadas, as tragédias são narradas em sequência
lúdica. Alguém diz em «Todas as Outras Histórias»:
“Com efeito, a tarefa de decifrar as
histórias uma a uma fez-me descurar até agora a peculiaridade mais saliente do nosso
modo de contar, ou seja, que cada narrativa corre ao encontro de outra narrativa
e enquanto um comensal faz avançar a sua fila (de cartas), na outra extremidade
há outro que avança em sentido oposto, porque as histórias contadas da esquerda
para a direita ou de baixo para cima podem ser lidas da direita para a esquerda
ou de cima para baixo, e vice-versa.”
O Diabo, a Morte, a Temperança, o Enforcado, o Rei de Copas,
o Duque de Paus, o Terno de Espadas, o Dez de Ouros, Elsinore, o Dragão de São Jorge,
o Leão de São Jerónimo, Lady Macbeth, Orlando o Furioso, Parsifal, Ofélia, Midas,
o Eremita, Édipo, o Amor, a Caneta de Calvino. Tudo são símbolos por nos decifrar,
histórias para nos contar. Em «Eu Também Experimento Botar Palavra» escreve-se:
“De tudo isto a escrita adverte como
o oráculo e purifica como a tragédia. Em suma, não se deve fazer disto um
problema. A escrita afinal tem um subsolo que pertence à espécie, ou pelo menos
à civilização, ou quanto mais não seja a certas categorias de rendimento. E eu?
E aquele muito ou aquele pouco de requintadamente meu pessoal que julgava aqui
depor?”
Tudo fica em suspenso, tudo fica sem fim nas imagens impressa à margem deste livro ilustrado.
As cartas de tarot não servem para adivinhar o futuro,
apenas para confundir com histórias a aleatória sequência dos nossos
presentes.
jef, agosto 2020
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