sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Sobre o livro «O Castelo dos Destinos Cruzados» de Italo Calvino. Teorema, 2003. Tradução de José Colaço Barreiros.

 

 

Tal como Umberto Eco ou Roland Barthes, Italo Calvino tem um fascínio irresistível pelos símbolos que estruturam o interior das palavras, esse infinito e genial sistema inventado pela humanidade para se compreender (e depois se “incompreender”). Mais do que todos os outros animais, o homem vive através de símbolos, códigos e sinais, onde o próprio se encontra (e depois se perde). Para Calvino, a ficção é um manancial inesgotável de caminhos e estações que explicam o inexplicável. Sobretudo aqui, as imagens desconexas expressas nas cartas desordenadas de Tarot.

Estes dois conjuntos de textos: «O Castelo dos Destinos Cruzados» e «A Taberna dos Destinos Cruzados» situam-se numa clareira dentro de uma floresta inóspita e fantasmagórica, onde um castelo ou uma taberna se confundem entre si, e os senhores ou estalajadeiros, com os seus modos, confundem peregrinos e comensais.

Ninguém consegue falar. Apenas se podem exprinmir pela sequência das cartas que têm ao dispor. No Castelo, usa-se o tarot “Visconti”, quatrocentista, de finas silhuetas aristocráticas. Na Taberna, o tarot de Marselha, mais recente e popular, de figuras mais toscas mas não menos motivadoras. Aqui, os gestos são uma balburdia, as imagens interrompem-se, baralham-se, roubam-se cartas à história do outro. Ali, as histórias são finamente recortadas e recordadas, as tragédias são narradas em sequência lúdica. Alguém diz em «Todas as Outras Histórias»:

“Com efeito, a tarefa de decifrar as histórias uma a uma fez-me descurar até agora a peculiaridade mais saliente do nosso modo de contar, ou seja, que cada narrativa corre ao encontro de outra narrativa e enquanto um comensal faz avançar a sua fila (de cartas), na outra extremidade há outro que avança em sentido oposto, porque as histórias contadas da esquerda para a direita ou de baixo para cima podem ser lidas da direita para a esquerda ou de cima para baixo, e vice-versa.”

O Diabo, a Morte, a Temperança, o Enforcado, o Rei de Copas, o Duque de Paus, o Terno de Espadas, o Dez de Ouros, Elsinore, o Dragão de São Jorge, o Leão de São Jerónimo, Lady Macbeth, Orlando o Furioso, Parsifal, Ofélia, Midas, o Eremita, Édipo, o Amor, a Caneta de Calvino. Tudo são símbolos por nos decifrar, histórias para nos contar. Em «Eu Também Experimento Botar Palavra» escreve-se:

“De tudo isto a escrita adverte como o oráculo e purifica como a tragédia. Em suma, não se deve fazer disto um problema. A escrita afinal tem um subsolo que pertence à espécie, ou pelo menos à civilização, ou quanto mais não seja a certas categorias de rendimento. E eu? E aquele muito ou aquele pouco de requintadamente meu pessoal que julgava aqui depor?”

Tudo fica em suspenso, tudo fica sem fim nas imagens impressa à margem deste livro ilustrado. 

As cartas de tarot não servem para adivinhar o futuro, apenas para confundir com histórias a aleatória sequência dos nossos presentes.


jef, agosto 2020

 

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