Otto Preminger exige bastante dos espectadores. Deixa-os
inquietos também. Não contemporiza com lirismos ou visões estéticas mais ou menos
melodramáticas. Gosta de expor as situações, a acusação e a defesa das
personagens, como o faria na barra do tribunal, fruto talvez da sua formação em
direito, digamos forçada pelo pai.
Embora não seja tão flagrante como em «Anatomia de um Crime»
(1960), também aqui o confronto entre as personalidades de Frank Jessup (Robert Mitchum), o condutor de
ambulâncias, depois motorista privado, e a
mimada, diletante, caprichosa, apaixonada, Diane Tremayne (Jean Simmons), é resolvido
perante o espectador após as cenas de tribunal, quase a preto no branco (e o filme é a preto e branco), longe
dessa adesão emocional tão ao jeito de Hollywood. A partir dali,
deixa de haver compromisso possível, o caso está resolvido perante a lei. Não haverá segundo julgamento para um mesmo caso. Nem Diane pode voltar atrás, a essa
suposta ingenuidade falsamente latente, nem Frank regressar à inocente carreira
de condutor de ambulância e ao namoro displicente com Mary Wilton (Mona Freeman).
Otto Preminger conduz a história aparentemente sem nada nos impor, sem tácitas estratégias cinematográficas ou códigos morais prevalecentes,
quase amoral o arco narrativo que faz começar o relacionamento entre Diane e Frank
com a clínica troca de estalos e o termina com um interrompido toque
entre taças de champanhe.
No meio do jogo, que tem tanto de cruel como de irónico, com muito
mais vínculo de poder do que vínculo de amor, encontra-se o génio de Otto Preminger e o inquietante deslumbramento de «Vidas Inquietas».
jef, maio 2020
«Vidas
Inquietas» (Angel Face) deOtto Preminger. Com Robert Mitchum, Jean Simmons, Mona Freeman,
Herbert Marshall, Leon Ames, Barbara O’Neil. Argumento: Chester Erskine, Oscar
Millard, Frank Nugent. Fotografia: Harry Stradling. Música:
Dimitri Tiomkin. EUA, 1953, P/B, 91 min.
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