sábado, 30 de maio de 2020

As abelhas bem que apreciam a companhia do Aparício





As abelhas bem que apreciam a companhia do Aparício

 

As abelhas gostam de ter o Aparício por perto. Quero dizer, o Aparício é um rapaz que estima esse labor permanente e hexagonal das asas e do querer sem quererem das abelhas. Elas são assim, ele assim é. A pedra onde o avô, logo depois o pai, se sentavam, lá está para ele também ficar a contemplar o voo fisgado dos insectos. A geologia das pedras é tão antiga quanto a cera macia a opercular os favos. Guardam os ovos, aguardam as larvas, indistintas, o momento da fecunda proteína identificadora. Geleia real. Depois, a próxima rainha sairá impante levando atrás de si a duplicação do enxame.

O Aparício questiona-se se receberá os novos habitantes desdobrando a colmeia. Sabe que o tempo passa sem passar, pela Aboboreira, por Mação, sobre a pedra do avô e do pai, dele. Mas desconhece se o tempo que não passou, incendiará este Verão o néctar e o pólen da floresta. Pensa na varroa parasitando as pupas das abelhas, na vespa velutina, grande e carnívora, apavorando as trabalhadoras que hesitam em sair da régua da colmeia. O Aparício hesita também sobre o tempo que, nesse instante, cristalizou no silêncio voador dos zumbidos.

Tudo depois recomeçará, ele sabe. O calor dentro do escafandro branco, não vá uma das amigas deixar definitivamente de o ser. A cresta, o mel nos frascos, os amigos. A memória e a eternidade futura das abelhas. O Aparício sabe que tudo tem mesmo de recomeçar.

 

jef, maio 2020

 

* perífrases e quarentena

 


1 comentário:

  1. Belo texto. Saboroso como o néctar fabricado pelos animaizinhos referidos no título. O desenho que ilustra,não sabemos o autor, também está maravilhoso, claro e transparente como o viscoso fluido por elas produzido.

    ResponderEliminar