domingo, 31 de maio de 2020

Sobre o filme «Chapéu Alto» de Mark Sandrich, 1935.










Não é preciso muito para descobrir que «Chapéu Alto» contém toda a alma de Fred Astaire. Esse lado de dançarino estratosférico que faz invadir o palco e os cenários de ternura e galhardia, comédia e teatro, afastando-se desses musicais “populistas” e “megalómanos”, onde surgiam exércitos de bailarinos “marchando” como se quisessem chegar mais depressa à Segunda Guerra sem quererem, todavia, contar história alguma.

Não. Com Fred Astaire (Jerry Travers) a coreografia não é louca nem ausente de emotividade e teatralidade. A história começa logo com ele a reparar o erro de acordar a hóspede do andar de baixo Ginger Rogers (Dale Tremont) fazendo um suave sapateado sobre serradura para a adormecer – «No Strings (I’m Fancy Free)». Depois conduz Miss Tremont de caleche até ao parque, onde rebenta a trovoada chuvosa , ela assusta-se, cai-lhe sem querer nos braços, envergonhada, ele surpreendido e tímido – «Isn´t This a Lovely Day». Depois a comédia desenvolve-se nessa deliciosa troca de identidades onde o «Cheek to Cheek» é executado numa sincronizada suavidade, acrobática e deslumbrante, com Gingers Rogers envolta numa nuvem de plumas brancas.

Para não falar do mordomo Bates (Eric Blore): «We are Bates!», nem da guerra com o seu patrão Horace Hardwick (Edward Everett Horton) sobre a conveniente inconveniência de usar ou não gravata, nem da sua deliciosa esposa Madge Hardwick (Helen Broderick): «Na minha idade conserva-se o que se apanha, quando se apanha», nem do magnífico estilista dos vestidos da putativa noiva: «For the woman the kiss, for the man the sword!»

Fred Astaire e Gingers Rogers neste filme colocam um enorme dilema ao espectador: se deve este concentrar-se mais na secção inferior ou na secção superior do ecrã.

Enfim, um dilema maravilhoso.


jef, maio 2020


«Chapéu Alto» (Top Hat) de Mark Sandrich. Com Fred Astaire, Ginger Rogers, Edward Everett Horton, Erik Rhodes, Eric Blore, Helen Broderick. Argumento de Dwight Taylor e Allan Scott, segundo a peça «The Girl Who Dared» de Alexander Farago e Laszlo Aladar. Fotografia: David Abel. Direcção Musical: Max Steiner. Música e letras de Irving Berlin. Coreografia: Hermes Pan e Fred Astaire. EUA, 1935, P/B, 101 min.

 

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