O Jerónimo olha pelas palavras
O Jerónimo mede a velocidade dos factos pelas palavras.
Melhor dizendo, o Jerónimo é um rapaz que observa os dias que correm, mais depressa
ou mais devagar, atrás do andamento das palavras. Ditas ou escritas, que assim
tomam elas diferentes acelerações. Até as palavras que se lêem, reconhece, vão
dos olhos à ideia umas vezes como um sopro, outras numa ventania.
Quando vê lá em baixo, junto ao rio, no ancoradouro, um barco
cheio de turistas, louros, rosados, chapéu exótico, farta pança, sabe que dali
a nada os receberá sorrindo, brindando, copo na mão. É esse o seu dever e fá-lo
bem. Ninguém nota que ele deixou uma notícia por ler, uma imagem por
conquistar, uma ideia para depois. Uma espécie de sesta adiada. Talvez um tempo
enfadado… Ele aguarda a fila de caminheiros alegres, coloridos, íngremes,
subindo a carreiro por entre as vinhas que, por falta de chuva, não se
apresentam como devem, tão exuberantes. Mas, mesmo assim, deslumbram quem as
desconhece, no brilho solarengo.
Volta a colocar a marca no livro interrompido. Anseia pelas
novas palavras que estarão escritas no jornal, novamente dobrado. Encolhe os
ombros, resigna-se. A clientela acaba de chegar. É tempo de adiar o ritmo das
palavras, elas o aguardarão. Talvez uma conversa rápida as trará de volta,
talvez num tempo paralelo que lhe passa agora, como ligeira brisa, na palma da
mão que, sobre os olhos, lhe abre o horizonte dourado do rio.
jef, abril 2020
* Perífrases e quarentena
* Perífrases e quarentena
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